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Em meio à pandemia de COVID-19, Banco Mundial auxilia na reestruturação da educação no Brasil

Publicado originalmente em 16 de abril de 2020

Em condições de desastre financeiro para milhões de famílias ao redor do mundo, governos, alinhados com bancos internacionais e gigantes do setor de educação, estão utilizando a pandemia de COVID-19 como uma oportunidade para implementar o ensino a distância (EAD) permanentemente.

No Brasil, os esforços para realizar uma grande reestruturação do ensino público deu um passo decisivo com a aprovação da reforma do ensino médio pelo então presidente Michel Temer (MDB) e a implementação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) que a acompanhou.

A reforma foi promovida pelo governo como um meio de implementar gradualmente escolas de tempo integral, uma vez que no Brasil a educação é organizada em três turnos e uma grande parte dos adolescentes frequentam a escola no período noturno por precisarem trabalhar durante o dia. Entretanto, a reforma, na verdade, significou a expansão do ensino técnico sob o controle das corporações e empresas privadas e ignorou desigualdades sociais que impedem os estudantes de frequentar a escola durante o dia. Além disso, ela prevê uma diminuição de horas de aula para disciplinas como Biologia, Física, Química, História e Geografia, o que reduziria ou eliminaria completamente a disponibilidade de aulas para os professores dessas disciplinas.

O ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, (sentado, segundo a partir da esquerda) em uma reunião do Todos Pela Educação em 2006.

A reforma escolar já estava sendo implementada gradualmente antes da entrada em vigor do projeto federal em 2017. No Rio de Janeiro, as escolas municipais adotaram em etapas o sistema de turno único a partir de 2011. Desde o ano passado, no estado de São Paulo, o programa INOVA ofereceu cursos para os professores que decidiram obter o certificado para novas disciplinas, tais como “Projeto de Vida” e “Tecnologia”. Algumas escolas de tempo integral já estavam funcionando como protótipos em todo o país.

Desde a implementação da reforma, o EAD já era permitido como uma parte do total das aulas no ensino médio – até 20% e 30% para estudantes do período noturno. Para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), 80% das aulas podem ser realizadas remotamente. Porém, o EAD está agora sendo promovido agressivamente durante a pandemia como o novo normal para todo o ensino, tanto durante como após a pandemia.

O Todos pela Educação, uma ONG que “conta com financiamento exclusivo da iniciativa privada”, foi criado em 2006 com a bênção do então ministro da Educação do Partido dos Trabalhadores (PT) e posteriormente candidato à presidência em 2018, Fernando Haddad. A organização iniciou na quarta-feira passada, 9 de abril, o que tem como objetivo ser o primeiro de uma série de encontros online para discutir a educação durante e após a pandemia de COVID-19. O evento contou com a presença de dirigentes das instituições nacionais de ensino, tanto públicas quanto privadas, e, mais significativamente, representantes do Banco Mundial.

O amplo interesse no que irá acontecer com os estudantes, educadores e o ensino foi demonstrado pela grande audiência do evento, com mais de 4 mil pessoas assistindo, um número que surpreendeu os integrantes do Todos pela Educação.

Muitas pessoas de São Paulo participaram do evento, mas, significativamente, centenas eram do estado do Rio Grande do Sul, onde, no final do ano passado, ocorreu uma greve massiva de professores. Uma quantidade significativa era dos estados do Paraná e Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, Rio de Janeiro, e pessoas de todos os estados brasileiros participaram. O maior grupo era proveniente do ensino público, mas uma quantidade significativa do ensino privado também estava presente.

O evento online teve início com um discurso de boas-vindas ao setor privado pelo presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Luiz Roberto Liza Curi, que ressaltou repetidamente a importância de “trabalhar com todos os setores da sociedade”. Ele acrescentou: “É fundamental que o setor privado possa ser usado para ampliar a diversidade do modelo presencial”. O que isso significa foi ilustrado pelos discursos e apresentações de outros integrantes do encontro, que promoveram a transição para um sistema educacional completamente adaptado às necessidades das empresas.

Maria Helena Guimarães de Castro, que está coordenando as mudanças no calendário escolar devido à crise da COVID-19 como membro do CNE, foi uma das primeiras a falar. Ela ocupou cargos importantes na educação ao longo dos anos, como presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) durante o governo de direita de Fernando Henrique Cardoso na década de 1990, e como secretária da Educação no Distrito Federal e em São Paulo. Ela também foi uma protagonista na reforma do ensino médio e na BNCC em 2017 como secretária-executiva do Ministério da Educação. Ela falou sobre o “Grande desafio pela frente que é a volta às aulas, o retorno às aulas. Para que essas atividades [durante a pandemia] possam ou não ser validadas depois do retorno”.

A aliança das corporações e governos no esforço de reestruturação da educação foi destacada pelo fato de que, logo antes do encontro online, outra reunião havia terminado, para discutir o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), um programa nacional que redistribui fundos federais da educação para municípios e estados. A reunião contou com a presença de dezenas de autoridades da educação, incluindo Guimarães de Castro, o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, representantes das ONGs Fundação Lemann e Todos pela Educação, e deputados da Frente Parlamentar Mista da Educação.

Durante o evento online do Todos pela Educação, Ildon Lautharte, economista do Banco Mundial, fez uma apresentação equivalente a uma lista de sugestões para a transformação do sistema educacional brasileiro nos moldes do EAD e da educação domiciliar, declarando que acha importante “manter a oferta de EAD, tanto pré-pandemia quanto pós-pandemia”.

Entre as sugestões da apresentação estava a necessidade de se oferecer a professores, durante a pandemia, uma estrutura para que aprendam a usar ferramentas de EAD. Segundo ele, o ensino deve ser feito com o uso de computadores ou pela transmissão das aulas pela TV ou rádio, dependendo do acesso a equipamentos digitais. A apresentação também defendeu a implementação do ensino domiciliar durante a pandemia. Ele acrescentou que os pais “engajando” seus filhos devem receber dicas e mensagens regulares de apoio das escolas. Supostamente, “pais engajados” são um fator crítico para o sucesso da educação atualmente, implicando diretamente que a responsabilidade pelo possível baixo desempenho escolar das crianças deve ser transferida para os pais da classe trabalhadora.

A apresentação seguiu as propostas de um artigo publicado no site da Organização das Nações Unidas por Rafael Muñoz, intitulado “A experiência internacional com os impactos da COVID-19 na educação”. Muñoz, Coordenador de Operações em Economia, Governança e Desenvolvimento do Banco Mundial para o Brasil, colaborou no artigo com Lautharte e André Loureiro, economista sênior do Banco Mundial. Ele escreveu: “Em termos pedagógicos, é crucial avaliar quais práticas do ensino a distância podem ser mantidas após a reabertura das escolas, se beneficiando da estrutura posta em funcionamento durante a pandemia”.

Pablo Acosta, Coordenador Setorial de Desenvolvimento Humano para o Brasil, que falou após o presidente do CNE, sinalizou a disposição do Banco Mundial para auxiliar na transformação do sistema educacional. “O governo federal, mas também estadual e municipal pode esperar não apenas assistência financeira, mas também técnica e estratégica”.

Outro discurso significativo durante o encontro online foi aquele do presidente da Undime, Garcia, que rejeitou explicitamente qualquer período de férias para os professores no mundo pós-pandemia. “Eu tenho conversado com o pessoal do sindicato, e eles tem perguntado se vai ser necessário tirar férias e tempo de recesso para compensar as aulas. Discutindo se é justo tirar férias dos professores. Nós estamos vivendo um momento de exceção, e vai ser necessário sim um pacto nacional, uma conversa muito franca com a sociedade como um todo”.

Antes da abertura do evento para perguntas, a co-fundadora do Todos pela Educação, Priscila Cruz, mostrou a verdadeira face da ONG, com a declaração desprezível: “As pessoas falam, ‘mas o ensino a distância pode gerar desigualdade’. Pode produzir alguma desigualdade, mas a gente precisa medir quais são os impactos todos”. Cruz é frequentemente entrevistada por grandes jornais e emissoras de televisão brasileiros como uma porta-voz da educação filantrópica.

Se os integrantes do evento do dia 9 conseguirem o que querem, no mundo pós-COVID-19, os educadores serão ainda mais explorados do que antes, com uma feroz competição por empregos na esfera do EAD, intensificada pelos níveis extremos de desemprego. Os professores seriam divididos entre aqueles que possuem certificado de EAD e aqueles que não o possuem. Muitos seriam forçados a trabalhar tanto em salas de aula como na esfera online obedecendo a um calendário baseado em metas para cumprir os critérios preestabelecidos. Ambos estudantes e professores seriam avaliados através da aplicação de avaliações em larga escala, que determinarão se uma escola ou educador individual “merece” investimentos ou aumentos de salário.

Significativamente, muitos na seção de comentários do Youtube do evento online declararam sua oposição a esses planos para transformar o sistema educacional, coordenados inteiramente com as corporações e bancos e por trás dos professores, estudantes e pais. Um dos comentários dizia: “chamam até bancos e não chamam os estudantes?”, enquanto outro declarava: “baita sacanagem desta burguesia de aproveitar uma crise mundial para IMPOR essa mudança...propor EAD”.

Criticando o discurso conciliatório do presidente da Undime, um participante comentou: “Desde quando o Todos pela Educação representa a sociedade civil?”. Um professor comentou: “Como trabalhar se nem internet de qualidade o estado disponibiliza aos professores. Temos de priorizar o conhecimento dos alunos.” Apontando a enorme disparidade social no acesso ao aprendizado digital, um participante comentou: “Dar aula online é fácil, disponibilizar plataformas digitais também, o difícil mesmo é o aluno que faltava 2 dias na semana porque não tinha passagem ter Internet pra acessar todas essas aulas”.

As elites dominantes veem a pandemia de COVID-19 como uma oportunidade para acumular quantias cada vez maiores de dinheiro à custa da ampla maioria, a classe trabalhadora e os pobres. A continuação e a intensificação do ataque contra o sistema educacional e os direitos dos trabalhadores estão sendo preparadas pelas enormes corporações disfarçadas de ONGs filantrópicas, que estão aproveitando o atual estado de isolamento e a ameaça do desemprego em massa.

Os educadores e trabalhadores devem rejeitar essa agenda reacionária baseada nos interesses do lucro e formar comitês de base para organizar a defesa dos seus empregos e direitos, para garantir integralmente salários e benefícios para todos os professores e trabalhadores da educação, tanto durante a pandemia como após o seu término, e para lutar pelos melhores métodos para a educação dos seus alunos.

O autor também recomenda:

O impacto educacional e social do fechamento global de escolas
[13 de abril de 2020]

The State, Business and Education: How rapacious corporations are dismantling public education globally
[16 de fevereiro de 2019]

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