Na quinta-feira, os trabalhadores da General Motors em São Caetano do Sul, na região industrial do ABC em São Paulo, votaram em esmagadora maioria pela continuidade da greve iniciada em 1º de outubro. Eles desafiaram uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT), que declarou a greve ilegal a partir desta sexta-feira.
A prontidão dos trabalhadores em levar adiante sua luta por empregos e salários dignos é uma expressão do crescimento da resistência da classe trabalhadora no Brasil e no mundo ao rebaixamento de suas condições de vida e à exigência de um novo “normal” de infecções em massa sob a pandemia de COVID-19. Recentemente, greves em defesa das condições de vida foram declaradas por trabalhadores do estaleiro Jurong, no Espírito Santo, metalúrgicos do Paraná, entregadores de aplicativos pelo Brasil e, ontem, por professores e funcionários municipais de São Paulo.
Desde o início do ano, as condições de vida da classe trabalhadora têm seriamente se deteriorado no Brasil. Estudos mostraram que, já em dezembro de 2020, mais da metade da população brasileira vivia em situação de insegurança alimentar, um quadro que se agravou diante dos aumentos nos preços dos combustíveis e alimentos e uma taxa de inflação de 10,25% acumulada nos últimos 12 meses. O auxílio-emergencial do governo federal durante a pandemia – que já havia sido cortado pela metade e excluído dezenas de milhões de beneficiários – será definitivamente encerrado este mês, deixando mais 39,8 milhões sem a complementação de renda decisiva.
Ao longo desse período, as montadoras de veículos têm compensado a instabilidade causada pela escassez mundial de componentes automotivos cortando custos de trabalho. Dezenas de milhares de trabalhadores foram demitidos ou tiveram seus contratos de trabalho suspensos. Em janeiro, a Ford fechou todas suas plantas no Brasil, deixando milhares de desempregados. A Stellantis anunciou o lay-off de 1,8 mil trabalhadores por três meses na sua fábrica em Betim, no estado de Minas Gerais, a partir de segunda-feira (18). A Renault colocará 300 trabalhadores no Paraná em lay-off por cinco meses e também abriu programa de demissão voluntária para 250 funcionários.
A greve na fábrica de São Caetano, que emprega 7.600 funcionários, foi declarada após meses em que os trabalhadores da GM no Brasil tiveram os seus contratos de trabalho suspensos para diminuir os gastos da empresa. Em 1º de outubro, os trabalhadores de São Caetano já estavam há mais de um mês trabalhando com o contrato vencido.
Em sua nova proposta de contrato, a GM exigiu cortes na renda e benefícios dos trabalhadores, incluindo o corte de mais da metade do vale-alimentação e o fim da estabilidade para trabalhadores acidentados. Na quinta-feira, o TRT apresentou uma versão menos agressiva dos cortes exigidos pela empresa e estabeleceu uma multa diária de R$50 mil ao sindicato por cada dia de permanência da greve.
Os trabalhadores, no entanto, recusaram essa intimidação. A votação massiva pela continuidade da greve ocorreu após semanas em que Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano se esforçou em conter e suprimir a mobilização. Após a GM entrar na justiça, na semana passada, pedindo que a greve fosse declarada “abusiva”, o sindicato defendeu que a decisão sobre o futuro da greve fosse deixada aos tribunais.
Após a decisão do TRT a favor da empresa, o presidente do sindicato, Aparecido Inácio da Silva, conhecido como Cidão, admitiu cinicamente que a juíza “já havia sinalizado que a aprovação do vale-alimentação ia ser muito difícil”. Ele sugeriu: “talvez parar totalmente não seja o objetivo. Nós podemos parar setores e os outros continuarem trabalhando e isso sim vai mostrar para a GM”. E, ao som das vaias dos trabalhadores, concluiu: “Sair vencedor é dar uma trégua nesse momento. O encaminhamento do sindicato é pelo retorno ao trabalho, até porque nós não queremos ver os trabalhadores na rua”.
O Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano deixou claro que fará todo o possível para enterrar a greve, tendo se reunido por semanas com a empresa para discutir as melhores condições para quebrar a oposição dos trabalhadores aos cortes e sua exigência por aumentos.
Em março de 2020, a GM respondeu à pandemia de COVID-19 iniciando um programa de lay-offs que afetou 15 mil trabalhadores brasileiros. Essa medida foi parte de uma política de demissões e cortes de salários em massa promovida pelos capitalistas com auxílio dos sindicatos em diversos setores da indústria e serviços no Brasil. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano bloqueou qualquer resistência dos trabalhadores, realizando uma votação online fraudada sobre os lay-offs que já haviam sido acordados pelos sindicatos. Na época, Cidão declarou: “Respeitamos e defendemos os direitos dos trabalhadores, preocupados com a saúde deles, mas temos que ver a questão de produção, não tem quem aguente arcar com compromisso se não entra”.
Diante da enorme oposição dos operários de base, o sindicato está afirmando que eles ficarão isolados e enfraquecidos se prosseguirem com a greve.
Mas, o fato é que a atual crise mostrou o profundo grau de integração internacional da produção, em que a falta de componentes produzidos em uma região afeta linhas de produção em países distantes. As atuais condições são especialmente favoráveis aos trabalhadores e colocam imediatamente a possibilidade de coordenação entre os trabalhadores automotivos no Brasil e internacionalmente.
Na última quarta-feira, mais de 10 mil trabalhadores da fabricante de tratores John Deere nos EUA entraram em greve pela primeira vez em 35 anos, lutando para garantir condições de trabalho e salários dignos e defender recém-contratados de cortes na aposentadoria. A proposta de contrato corrompida do sindicato UAW foi recusada por 90% dos trabalhadores. Após a rejeição massiva na sexta-feira passada, o UAW adiou o início da greve enquanto procurava um pretexto para cancelá-la.
Os trabalhadores formaram o Comitê de Base dos Trabalhadores da John Deere para se organizar independentemente do sindicato e unificar sua luta à dos trabalhadores em outras fábricas e locais de trabalho nos EUA e ao redor do mundo.
A luta dos trabalhadores em São Caetano está sendo acompanhada com nervosismo pelos executivos da GM e pelos sindicatos corporativistas de todo o mundo. Um porta-voz do UAW americano no Brasil deu uma declaração ao fim da assembleia de quarta-feira em São Caetano dizendo: “Nós estamos acompanhando bastante vocês desde 1º de outubro”. Ele acrescentou a mentira de que a greve de 40 dias dos operárias da GM nos EUA em 2019, suprimida com o auxílio decisivo do UAW, conquistou melhorias das condições de vida dos trabalhadores.
Assim como os operários da John Deere, os trabalhadores da GM no Brasil devem conformar organizações independentes dos sindicatos, comitês eleitos pela própria base, para levar sua luta adiante. Essa luta deve ser articulada com os trabalhadores automotivos e outros setores da classe trabalhadora no Brasil e no mundo, através da construção da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB).