A morte de um homem no dia 25 pela polícia no Brasil chocou e causou enorme revolta entre milhões no mundo inteiro, com o vídeo da brutal agressão viralizando nas redes sociais.
Gravações em vídeo mostram Genivaldo de Jesus Santos de 38 anos sendo abordado na cidade de Umbaúba no estado do Sergipe pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) por estar dirigindo de moto sem capacete. O homem, com diagnóstico de esquizofrenia, pode ser visto cooperando com três policiais, que abordam Santos agressivamente, segurando, xingando e portando fuzis de assalto. Além da truculência, o sobrinho de Santos, uma das testemunhas da abordagem, disse que os agentes pegaram os remédios de Santos guardados no bolso.
Os vídeos mostram a resposta violenta dos agentes, cercando, empurrando, derrubando e apontando o fuzil para Santos no que testemunhas disseram ter durado meia hora. Depois, os policiais decidem ativar uma bomba de gás lacrimogênio e colocar dentro do porta-malas com Santos dentro, que pode ser visto balançando as pernas até desmaiar. No boletim de ocorrência, os policiais disseram que Santos teve um “mal súbito” no trajeto para a delegacia e foi levado para o hospital do município, onde morreu.
As cenas da sádica tortura de Santos provocaram a revolta dos moradores na cidade, com o bloqueio da rodovia onde ele foi morto, pneus queimados e pessoas carregando placas denunciando a sua morte e chamando por justiça. Nos jornais e nas redes sociais, muitos fizeram a comparação do sufocamento por asfixia de Santos com a câmara de gás dos nazistas.
A agressão em Umbaúba ocorreu exatamente dois anos após a morte de George Floyd nos EUA, e é uma expressão particularmente brutal da resposta da classe capitalista brasileira à intensificação da crise social no Brasil e internacionalmente.
Nos últimos dois anos, a resposta indiferente e criminosa do governo do presidente fascistoide, Jair Bolsonaro, à pandemia de COVID-19 permitiu o espalhamento do vírus pela população, causando mais de 660 mil mortes e deixando outras milhões com as sequelas da COVID longa.
Esse período de sofrimento de morte para milhões significou prosperidade financeira para uma fina camada. Os bilionários brasileiros aumentaram sua riqueza em 30% durante a pandemia, enquanto 90% da população empobreceu. Em 2021, os 1% mais ricos no Brasil possuíam quase a metade da riqueza nacional, um aumento de 0,5 ponto percentual desde 2019.
O estado de Sergipe, onde Santos morava e foi brutalmente assassinado, é o quinto mais pobre do Brasil segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com 46,8% da população sergipana enfrentando graves problemas relacionados à falta de alimento. Luís Moura, coordenador do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos do Sergipe (DIEESE/SE), apontou que a população considerada pobre aumentou de 42% em 2019 para 46% em 2021. Essa situação se repete no país inteiro, com um aumento da pobreza de 25% para 29% no mesmo período.
Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou que 30% das famílias no Brasil não conseguiram dinheiro para comprar alimentos pelo menos uma vez nos últimos 12 meses em 2019, e que esse número subiu para 36% em 2021. Entre os 20% mais pobres, a insegurança alimentar saltou de já assombrosos 53% para 75% no mesmo período.
Hoje, a enorme pobreza e desigualdade social no Brasil, que apenas se intensificou com o aumento dos preços dos alimentos e combustíveis, estão elevando as tensões sociais.
Segundo dados levantados pelo Núcleo de Estudos da Violência Universidade de São Paulo e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 5,2 mil pessoas morreram como resultado da violência policial no Brasil em 2017. Em 2020, o número mortos saltou para 6,4 mil e, no ano passado, foi de 6,1 mil.
Nessas condições, o assassinato de Genivaldo de Jesus Santos foi respondido com fria indiferença. Uma “nota técnica” da PRF culpou Santos e acobertou as ações dos agentes. A nota diz que ele “resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe [da] PRF. em razão da sua agressividade, forma empregadas técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção”.
Não é uma coincidência que a violência sádica lançada contra Santos ocorreu apenas um dia após Bolsonaro elogiar uma das operações mais mortais já realizadas pela assassina Polícia Militar (PM) na capital do Rio de Janeiro. A operação resultou na morte de 25 pessoas, incluindo a mortas por balas perdidas, e quatro pessoas ainda internadas. A polícia se responsabilizou por dez mortes, enquanto os moradores da favela foram obrigados a levar os corpos de seus familiares e vizinhos para o hospital.
A operação realizada na manhã do dia 24 teve participação da PRF e do notório Batalhão de Operações Especiais (BOPE). Após a operação ser noticiada, Bolsonaro declarou: “Parabéns aos guerreiros do BOPE e da Polícia Militar do Rio de Janeiro que neutralizaram pelo menos 20 marginais ligados ao narcotráfico em confronto, após serem atacados a tiros durante operação contra líderes da facção criminosa”.
A PM retratou a operação como uma emboscada para um comboio da facção do tráfico de drogas, Comando Vermelho, saindo da favela de Vila Cruzeiro. Segundo a narrativa oficial, a operação foi comprometida quando um grupo de policiais à paisana em uma das entradas da comunidade foi interceptada por traficantes, levando a polícia a reagir, entrando na favela e matando os mesmos. Entretanto, os fatos apontam muito menos para uma emboscada e mais para uma provocação, para justificar o assalto dentro da favela que resultou na chacina.
O comandante da PM do estado do Rio de Janeiro, Uirá do Nascimento Ferreira, declarou um dia após a operação que ela havia sido planejada meses antes, e declarou friamente que ela “não tinha o objetivo de cumprir mandados de prisão”.
Como a operação, que oficialmente prenderia criminosos em flagrante saindo de Vila Cruzeiro, acabou com um violento assalto dentro da favela não foi explicado exceto pela narrativa insustentável da polícia. A presença de 11 blindados da polícia em posições que até agora não foram publicadas, e a movimentação de dezenas de agentes à paisana nos entornos da favela tem todos os indícios de uma operação planejada para provocar uma resposta dos traficantes. O suposto ataque inicial aos policiais teve como resposta a entrada de centenas de agentes na comunidade.
Quase uma semana após o brutal assassinato à céu aberto de Santos, o presidente fascistoide respondeu ao episódio lamentando não a sua morte, mas aquela de agentes da PRF em outro caso na mesma semana. Bolsonaro concluiu que a mídia “sempre tem um lado, o lado da bandidagem”.
Na mesma semana dos dois terríveis episódios, o governo Bolsonaro também publicou um relatório sobre direitos humanos com uma clara ausência da seção sobre “segurança pública”, ou seja, abuso policial.
As declarações de Bolsonaro nos últimos dias são uma sinalização aos apoiadores fascistoides do presidente no aparato de repressão do Estado, incluindo as forças policiais e os militares, de que o lançamento da brutal repressão sobre a classe trabalhadora em meio ao recrudescimento das greves e protestos no Brasil não irá resultar em repercussões para os agentes envolvidos.
Até agora, os três policiais gravados nas cenas em Umbaúba foram apenas afastados. Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia foram afastados, e um procedimento administrativo disciplinar foi aberto. A resposta indiferente do comando da PRF, culpando Santos por resistir à agressão dos policiais, mostram o encorajamento de seções fascistoides dentro da polícia e das forças armadas por Bolsonaro.
O cultivo de tais forças é uma expressão do medo da classe dominante diante da intensa crise social. Na manhã desta terça-feira, um dia após as declarações de Bolsonaro em defesa da polícia no caso de Santos, o ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira, assinou a demissão do diretor-executivo e do diretor de inteligência da PRF. No mesmo dia, o governo reverteu sua decisão, declarando que estava promovendo ambos os comandantes da polícia para cargos nos EUA.
O encorajamento dessas forças pelo governo Bolsonaro também é uma resposta a tensões acumuladas em toda a região. No Chile, onde as enormes manifestações contra as políticas do ex-presidente Sebastián Piñera em 2019 foram vistas por Bolsonaro como uma enorme ameaça interna, o atual presidente Gabriel Boric está despencando nas taxas de aprovação poucos meses após a sua eleição. O país vivenciou uma greve de petroleiros no início de maio e, na Argentina, uma simultânea greve dos caminhoneiros sem prazo para acabar foi evitada por pouco após o seu terceiro dia.
No Brasil, os trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda, Rio de Janeiro, entraram em greve em abril, criando uma comissão eleita pelos trabalhadores para negociar independentemente do sindicato. Após uma campanha de isolamento e supressão auxiliada pelos sindicatos, a companhia está se sentindo encorajada, tendo enviado a polícia para impedir assembleias dos trabalhadores nesta semana. No dia 25, o ministro das Comunicações de Bolsonaro, Fábio Faria, revelou o medo dentro da classe dominante de uma greve em um setor crítico da economia. Faria disse: “Será que R$ 15 bilhões [do lucro da Petrobras de] R$ 44 bilhões para subsidiar diesel de caminhoneiros para evitar greve é muito? Já ouvi o mercado falando que não”.
Enquanto isso, os três países estão enfrentando novos surtos de casos de COVID-19, com UTIs preenchendo suas capacidades de ocupação e relatos de surtos em escolas.
Nessa situação explosiva, faltando menos de cinco meses para as eleições em outubro, Bolsonaro enxerga nas forças policiais uma tropa de choque contra qualquer oposição política, ao mesmo tempo em que se prepara para responder ao cenário de uma derrota com um golpe, com a colaboração cada vez mais direta dos militares.
O encorajamento desimpedido das forças policiais por Bolsonaro imediatamente após elas cometerem atos de tamanha violência só é possível em meio a um deslocamento para a direita de todas as forças no establishment político. A intensificação da pobreza e da desigualdade social no Brasil e em toda a América Latina, ao mesmo tempo em que uma fina camada enriqueceu a um ritmo sem precedentes, estão sendo respondidos com a promoção das forças de repressão por todo o espectro político, incluindo a oposição nominal a Bolsonaro liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Em uma expressão do enorme nervosismo em todo o establishment político após os episódios de violência policial, a resposta do PT se limitou à presidente do partido, Gleisi Hoffmann, tuitando que o assassinato de Santos e a chacina no Rio são exemplos de que é necessário “rever o comando e a formação dos policiais”.
Após permanecer por uma semana em completo silêncio sobre a chacina, o ex-presidente e candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva, recusou-se a fazer qualquer chamando pelo fim da matança policial. Ao invés disso, ele declarou de forma conformista e vazia: “Se o Estado estivesse presente nessas áreas, a polícia seria apenas mais um componente para manter a tranquilidade. ... o Estado só aparece quando é para matar alguém, através da polícia”.
Na verdade, o aparato de repressão sendo lançado sobre a classe trabalhadora nas rodovias e nas favelas foi fortalecido durante os governos do PT. Um exemplo é a Lei de Drogas aprovada em 2006, que, segundo o Departamento Penitenciário Nacional resultou no aumento dos presos por crimes relacionados às drogas de 9% em 2005 para 28% em 2014, enquanto a população prisional mais do que dobrou, de 361.400 para 607.700.
A tarefa da chamada “esquerda” é fornecer cobertura política para as forças fascistoides sendo cultivadas por Bolsonaro. Marcelo Freixo, o principal aliado de Lula na candidatura à governador do estado do Rio de Janeiro pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), respondeu à chacina em Vila Cruzeiro publicando uma série de tuites para esclarecer que não chamou pelo fim do BOPE e do CORE, as notoriamente violentas forças especiais da Polícia Militar e Polícia Civil no estado, respectivamente.
A mesma posição é verdadeira em relação à mídia, que está apresentando a resposta do judiciário brasileiro, cobrando explicações da polícia sobre a operação no Rio, como um sinal de que haverá repercussões significativas pelas mortes em Vila Cruzeiro. Porém, foi o próprio STF que manteve a autorização do uso da PRF em “operações de investigação e inteligência” em 2020, permitindo que participasse no assassinato de Santos e no massacre em Vila Cruzeiro.
O principal objetivo da oposição é na realidade de defletir a oposição social e desarmar a classe trabalhadora ao mesmo tempo em que Bolsonaro tenta criar um movimento fascista dentro das forças de segurança.
Somente um movimento massivo da classe trabalhadora independente e em oposição à todas as forças políticas que sustentam o capitalismo brasileiro pode interromper a espiral de violência policial e os ataques aos direitos democráticos, e pôr fim à miséria e sofrimento massivos causados pela pandemia e pela crise econômica internacional. Para isso, é necessário construir a liderança da classe trabalhadora em seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional.
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