Publicado originalmente em 15 de agosto de 2022
Organizações pseudoesquerdistas da classe média em todo o continente americano partiram de apoiar a candidatura de Gustavo Petro na Colômbia e glorificar sua companheira Francia Márquez e passaram a promover ilusões mortais de que esses novos ocupantes do Palácio de Nariño representam a democracia e podem ser pressionados a defender os trabalhadores e os oprimidos.
Mais abertamente, a revista Jacobin, que é associada aos Socialistas Democráticos dos EUA (DSA), uma fração do Partido Democrata nos EUA, fizeram uma campanha avidamente para Petro e Márquez como “a escolha progressiva” e “a única alternativa democrática”. Eles escreveram que Francia Márquez, que é negra e construiu seu nome exigindo que a indústria mineira consulte as comunidades, “conseguiu articular um discurso emancipador que abraça todas as lutas populares, todos os excluídos e oprimidos de nosso povo, conseguindo que, em seu rosto, nós possamos nos ver refletidos, os ‘ninguéns’”.
A Jacobin então transformou a vitória eleitoral de Petro em um motivo para votar nos candidatos que eles apoiam no Partido Democrata. A revista afirma que a Colômbia mostra ser possível “começar a reverter a política imperial americana e iniciar um diálogo continental mais igualitário. Um triunfo dos progressivos nos EUA seria a chave para começar a percorrer o verdadeiro caminho democrático de todo o continente”.
A afirmação de que o Partido Democrata, que garantiu brutalmente o domínio de Wall Street sobre a Colômbia e violou repetidamente o país ‒ desde os tumultos anticomunistas de Kennedy nos anos 1960 até Clinton e Obama com o Plano Colômbia ‒ pode ser convencido a defender a democracia na América Latina é ridícula. Esse partido imperialista é responsável pela morte de dezenas de milhares de trabalhadores, camponeses, jovens e intelectuais de esquerda e inúmeros outros crimes contra a humanidade pelas mãos de soldados americanos e da polícia e militares colombianos que Washington criou, armou e treinou.
No mesmo espectro, deixando apenas de defender o voto em Petro, La Izquierda Diario do pseudoesquerdista Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) na Argentina apresentou a decisão alguns dias antes do segundo turno como uma entre “O candidato da direita, Rodolfo Hernández, e o mal menor, Gustavo Petro”. Eles escreveram: “Para aqueles que escolhem Petro como o mal menor, só podemos dizer-lhes que não se trata apenas de punir a direita e o uribismo nas urnas, mas de fazer valer seus próprios interesses nas ruas”. Em outras palavras, com a “derrota histórica da direita”, os trabalhadores podem fazer avançar seus interesses pressionando Petro.
O Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) na Colômbia pediu cinicamente por um “voto crítico” em Gustavo Petro e Francia Márquez após escrever que ela “representa genuinamente uma candidatura dos pobres e oprimidos”.
Depois de conseguir que fossem eleitos, o PST escreveu que “A greve de 2021 nos ensinou que a única maneira eficaz de derrotar os planos dos capitalistas é lutar nas ruas... para que o governo Petro vá além... e aplique um programa com mudanças radicais que defendam os interesses dos oprimidos contra os interesses daqueles de cima, que expropriem os expropriadores...”.
Essa última afirmação é particularmente significativa. Em 2019-2021, a Colômbia foi abalada por sua maior onda de manifestações de todos os tempos, envolvendo milhões de pessoas contra a desigualdade social, a resposta homicida à COVID-19 e a repressão brutal em que pelo menos 80 manifestantes morreram e centenas desapareceram. Esses protestos foram parte de uma onda global de “revoluções sem líderes” envolvendo centenas de milhões de pessoas em toda a América e no mundo. Porém, essas “revoluções” não mudaram nada e acabaram sendo canalizadas, como na Colômbia, Chile, Honduras e Bolívia, por trás da eleição de governos pseudoesquerdistas.
Petro chamou repetidamente pela interrupção das greves e bloqueios de estradas, mas em um áudio de 5 de maio de 2021 ele resumiu a atual necessidade política fundamental para a classe dominante. Em uma reunião com o sindicato e burocratas políticos no Comitê Nacional de Greve, que alegou liderar os protestos, Petro declarou: “Há uma distância entre o Comitê Nacional de Greve e as pessoas nas ruas. Pode-se dizer que ambos não se conhecem. As pessoas nas ruas são os jovens populares, os jovens dos bairros operários que querem continuar lutando”. Em outras palavras, o establishment político parece incapaz de controlar os jovens trabalhadores nas ruas, que estão politicamente e socialmente muito distantes deles.
É por isso que a intervenção de organizações que afirmam ser “socialistas”, “revolucionárias” e até “trotskistas” para alimentar ilusões nesse sistema político podre e nos seus aliados sindicais prestam um serviço tão crucial ao imperialismo e seus subalternos na elite dominante colombiana. A classe dominante tirou a lição de que seu governo irá depender novamente de tais forças pseudoesquerdistas para desarmar politicamente a classe trabalhadora enquanto se prepara para um retorno às ditaduras militares.
A alegação de que Petro e Márquez podem ser pressionados a representar os interesses dos trabalhadores não possuem qualquer fundamento. As ilusões promovidas pelo PTS, PST e Jacobin são todas baseadas na concepção stalinista de que setores das elites governantes nacionais precisam ser apoiados para realizar a revolução democrática burguesa como a condição prévia para a revolução socialista.
No entanto, sua representante, Francia Márquez, invalidou esse argumento durante uma de suas repetidas visitas ao Instituto da Paz dos EUA em Washington D.C., uma agência do governo federal americano com estreitas ligações ao Pentágono. Em maio, após ser questionada especificamente sobre a situação da Colômbia como parceiro estratégico da OTAN, ela prometeu “fortalecer essa aliança com o governo dos EUA” e não fez nenhuma menção ao imperialismo ou à opressão nacional. Após protestar contra a insinuação da embaixadora dos EUA de que sua campanha estava sendo financiada pela Rússia e Venezuela, ela disse que isso “rompe com a história das relações dos Estados Unidos, que não intervêm na política e tem respeitado a democracia dos processos eleitorais”.
Ela enfatizou várias vezes que sua administração não pretende “expropriar” a “oligarquia latifundiária”, incluindo os “uribistas”, que usam seus latifúndios como base econômica para financiar esquadrões paramilitares fascistas que massacram regularmente líderes sociais, trabalhadores e camponeses.
Ao descartar as duas principais tarefas democráticas na Colômbia e em todos os países atrasados ‒ a libertação da opressão imperialista e a abolição dos privilégios feudais especiais da oligarquia proprietária de terras ‒ Márquez mostrou que todos os seus discursos sobre direitos democráticos, justiça social, dignidade e paz são retóricos. Significativamente, como a hegemonia do imperialismo norte-americano depende cada vez mais de seu controle sobre as forças armadas regionais e da presença militar direta para contrabalançar seu declínio econômico relativo, Márquez garantiu que sua administração “não será uma ameaça para os EUA”. Ou seja, a principal fortaleza de Washington em seu “próprio quintal” está seguro.
Qualquer regime que fosse ligeiramente sensível aos interesses da classe trabalhadora teria implementado imediatamente vastas medidas de saúde pública contra a pandemia de COVID-19, que já matou 180 mil colombianos em 2020-21. Ele teria renunciado à sua associação com a OTAN e condenado o esforço de guerra contra a Rússia na Ucrânia, que ameaça a aniquilação nuclear da civilização humana. Ele teria imposto controles agressivos de preços contra a maior inflação em mais de duas décadas.
Porém, Petro começou sua administração prometendo “austeridade” e preenchendo seu gabinete com fantoches do imperialismo e da extrema direita. Para citar apenas alguns, o novo embaixador dos EUA, Luis Gilberto Murillo, que estava com Márquez durante seu fórum em Washington, foi consultor da USAID (Agência dos EUA para o Desenvolvimento), do Banco Mundial e de outras agências imperialistas. O ministro da Defesa é Iván Velázquez, que foi designado como chefe da Comissão Internacional de luta contra a Impunidade na Guatemala, uma organização apoiada pela ONU e financiada pelos EUA para usar as alegações de corrupção como uma ferramenta para ditar as políticas pró-EUA. Como ministro dos Transportes, Petro escolheu Guillermo Reyes, que foi vice-ministro sob o presidente de extrema direita, Álvaro Uribe.
A Jacobin, o PST e o PTS foram completamente expostos como representantes da classe média alta contra os trabalhadores, construindo suas carreiras na política, nos sindicatos e no meio acadêmico, oferecendo-se à elite dominante para ajudar a proteger o status quo. No caso do PTS e do PST, esses elementos possuem suas raízes políticas no legado de Nahuel Moreno, o renegado mais notório do trotskismo na América Latina.
No início dos anos 1970, em meio a uma crise pré-revolucionária, Moreno formou o PST argentino declarando abertamente: “Nosso principal objetivo político é construir um partido centrista da esquerda legal. Sabemos conscientemente que esta organização é o oposto de uma organização proletária bolchevique”.
Em meio a ameaças de golpe por parte de oficiais militares fascistas e ataques de peronistas fascistas nos sindicatos, o PST não apenas se reuniu várias vezes com Juan Domingo e Isabel Perón, mas reivindicou repetidamente ‒ como os morenistas de hoje reivindicam em relação à Petro ‒ que o governo oferecia “democracia” e poderia ser pressionado a defender os trabalhadores. Isso ajudou a desarmar os trabalhadores radicalizados e abriu o caminho para a instalação, apoiada pelos EUA, de um regime militar que matou mais de 30 mil pessoas, incluindo muitos membros do PST, enquanto Moreno escapou com segurança para a Colômbia para criar o PST naquele país.
Conforme o CIQI escreveu em sua análise do papel de Moreno: “Em tal situação, o partido de ‘esquerda’ que apela para que o estado burguês para proteja os trabalhadores ‒ ao invés de chamar os trabalhadores para se armarem e esmagarem os fascistas e o Estado que os patrocina ‒ é ele próprio parte de toda a ordem burguesa reacionária”.
O imperialismo e seus aliados mais próximos entre os fascistas e os militares não são de forma alguma invencíveis ou intocáveis. A classe trabalhadora tem lutado com suas mãos atadas por sindicatos e políticos pró-capitalistas e nacionalistas que são hostis a qualquer afronta ao lucro, tais como greves e, acima de tudo, à unidade das lutas dos trabalhadores atravessando as fronteiras. O imperialismo seria impotente contra um movimento independente e organizado internacionalmente de bilhões de trabalhadores em todo o mundo, como o que está sendo construído através da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base.
Os trabalhadores devem concluir que o cumprimento de suas aspirações democráticas e sociais depende da oposição intransigente a cada setor da burguesia e seus subalternos nos sindicatos e pseudoesquerda e da orientação internacional de suas lutas. Isso é possível somente através da construção do único partido internacionalista, socialista e revolucionário, o Comitê Internacional da Quarta Internacional.