Publicado originalmente em 31 de agosto de 2023

A submissão da congressista Alexandria Ocasio-Cortez, dos Socialistas Democráticos da América (DSA), ao Partido Democrata e ao governo Biden foi exposta mais uma vez numa entrevista publicada na quarta-feira pelo New York Times.

A entrevista, intitulada “A Evolução da AOC”, foi conduzida para oferecer a Ocasio-Cortez uma plataforma para se defender do que chamou de uma “suspeita” crescente entre trabalhadores e jovens de que ela nada mais é do que uma política padrão do Partido Democrata.

As suas frágeis tentativas de justificar o seu papel direitista no Congresso apenas confirmaram que essas suspeitas estavam corretas.

“Você se vê mais como uma pessoa de dentro agora?” perguntou a entrevistadora do Times, Lulu Garcia-Navarro. “Eu não acho. Quero dizer, até certo ponto, uma vez que você se engaja como congressista, você está do lado de dentro”, respondeu Ocasio-Cortez, acrescentando que estar do lado de dentro lhe permite “traduzir essa energia externa em mudança interna”.

Está cada vez mais claro que o papel de Ocasio-Cortez no Congresso não tem traduzido a oposição de esquerda em uma “mudança interna”, mas sufocado a “energia externa” e “traduzi-la” em apoio ao Partido Democrata e facilitar as suas políticas de direita.

Hoje, Ocasio-Cortez abandonou até mesmo as críticas verbais à liderança democrata. Ela declarou no ano passado que “deixaria de lado” as diferenças com as altas autoridades democratas em nome da unidade do partido, e recentemente apoiou Joe Biden, dizendo que “o presidente tem feito um trabalho muito bom até agora”. Isso equivale a um apoio geral às características definidoras da sua presidência, incluindo a guerra imprudente contra a Rússia e a declaração prematura de que a pandemia do coronavírus “acabou”.

O Times perguntou a Ocasio-Cortez por que a congressista acredita que “aqueles da esquerda” continuam a “acusá-lo de comprometer seus ideais progressistas enquanto trabalha dentro do sistema partidário?”

Ela disse que as críticas da esquerda acontecem “porque nunca tivemos uma presença política como a que temos hoje nos Estados Unidos” e os seus críticos estão “perplexos” com a perspectiva de estar no poder. “Penso que, ao longo do tempo, tem havido uma associação inerente entre poder, ascensão e ‘se vender’”, disse, referindo-se à crença “de que não há maneira neste país de acumular qualquer tipo de poder sem que haja algum compromisso Faustiano.”

Um compromisso Faustiano é um pacto pelo qual uma pessoa troca algo de suprema importância moral ou espiritual por algum benefício mundano ou material. Mas, ao contrário do herói de Marlowe e Goethe que vendeu sua alma ao diabo, Ocasio-Cortez tinha muito pouco a vender.

Ela não “veio de um contexto de ação direta e ativismo”, como afirma na entrevista, e não tinha princípios políticos a trair. Ela foi estagiária no gabinete de relações exteriores do senador democrata Ted Kennedy e buscou carreira na política do Partido Democrata. Ela foi escolhida pelo grupo do Partido Democrata Brand New Congress em 2017 como candidata e juntou-se aos DSA apenas depois de ter sido vetada, a fim de reforçar suas credenciais “de esquerda”. Sua “evolução” foi de uma aspirante a política democrata a uma verdadeira política democrata.

Ocasio-Cortez tem se destacado mais como um tipo político e social do que em funções de suas características individuais. Ela personifica a pseudoesquerda contemporânea, composta em grande parte por carreiristas que evidenciam uma total falta de princípios e de conhecimento histórico, muito menos qualquer ligação com a luta de classes ou com a política socialista genuína. Tornam-se fácil e prontamente objetos de manipulação da classe dominante.

Este é o papel desempenhado, nos Estados Unidos, pelos Socialistas Democráticos da América, que nada mais são do que uma fração do Partido Democrata. Sob condições de crise crescente, os DSA está sendo levados a desempenhar um papel cada vez mais direto na defesa e da implementação das políticas da classe dominante.

Durante o seu mandato no Congresso, Ocasio-Cortez, juntamente com outros membros dos DSA, votou para tornar ilegal uma greve de 100.000 trabalhadores ferroviários em dezembro passado e impôs um contrato que os trabalhadores tinham rejeitado. Ela votou para fornecer 40 bilhões de dólares em armas às forças de extrema-direita na Ucrânia e apoiou a guerra dos EUA e da OTAN contra a Rússia, que ameaça um holocausto nuclear. Ela recusou-se a votar contra o fornecimento de um bilhão de dólares para armar a supressão dos direitos do povo da Palestina pelos militares israelenses.

Enquanto Fausto, que ao longo de uma vida inteira de estudos dominou vastos campos do conhecimento, negociou sua alma em troca de prazeres mundanos ilimitados, Ocasio-Cortez contentou-se com uma pequena promoção. A história de Fausto é o tema da maior tragédia humana; a de AOC é uma farsa miserável. Quando Nancy Pelosi a nomeou vice-presidente do Comitê de Supervisão da Câmara em janeiro, ela disse que estava “entusiasmada e honrada” e agradeceu aos seus “colegas incríveis” na liderança democrata.

A declaração mais significativa feita na entrevista foi a rejeição de Ocasio-Cortez de qualquer oposição ao imperialismo americano. “Eu não caracterizaria necessariamente os meus objetivos de política externa como opostos aos do presidente ou aos dos Estados Unidos”, disse. “Sou membro do Congresso. Prestei um juramento a este país e levo este juramento muito a sério.”

E quanto ao princípio socialista fundamental de que o inimigo de classe está em casa e ao apelo à unidade da classe trabalhadora internacional?

Quando Ocasio-Cortez diz que “prestou um juramento a este país”, o que na verdade ela quer dizer é que prestou um juramento de defender os interesses da classe dominante americana em casa e no exterior.

Ela argumentou que as intervenções militares, os golpes de estado e as ditaduras do passado “criaram um problema de confiança entre os nossos vizinhos no Hemisfério Ocidental”. É assim que a CIA poderia descrever as consequências do sofrimento e da morte em massa criados pelos crimes do imperialismo americano na América Central e do Sul. É tudo apenas um “problema de confiança”, e não um conflito irreconciliável entre os interesses financeiros das empresas americanas e as necessidades básicas das massas latino-americanas.

AOC também não mencionou o apoio do governo Biden aos regimes golpistas de extrema direita na Bolívia e no Peru. Ocasio-Cortez disse que abordar o passado é necessário para promover os interesses do governo dos EUA hoje: “Não se trata apenas de ser a coisa certa a se fazer”, disse, “é uma coisa inteligente a se fazer para que possamos reiniciar e construir confiança e relacionamentos com nossos parceiros no hemisfério.”

Ocasio-Cortez combina o apoio à política externa de Biden com recusas em criticar a sua agenda interna reacionária. Quando o Times lhe perguntou por que tinha deixado de chamar a atenção para as políticas de imigração do governo Biden, embora tenha mantido as restrições de entrada e asilo de Trump, Ocasio-Cortez respondeu com a sua mistura característica de absurdos pseudoacadêmicos e bobagem política:

“Esta é uma área em que o que fazemos é ditado pela política, provavelmente mais do que qualquer outra”, opinou. “Há recomendações e sugestões muito claras que fizemos ao governo para aliviar esta questão, e acredito que alguma da hesitação em torno disto tem a ver com o medo de ser visto apenas como alguém que aprova ou fornece estruturas de permissão…”.

Ocasio-Cortez concluiu a entrevista respondendo afirmativamente à pergunta: “Está tudo bem ser uma democrata normal agora?” Ela disse: “O Partido Democrata mudou dramaticamente nos últimos cinco anos”. Incapaz de citar um único exemplo que mostre essa “mudança dramática”, ela apenas disse que o partido mudou porque “algo em torno de 50% dos democratas da Câmara foram eleitos desde 2018”.

Notavelmente ausente na entrevista está qualquer menção à palavra “socialismo”. Na verdade, no seu conjunto, a entrevista confirma que os DSA e AOC têm tanto a ver com o socialismo como a CIA. Na verdade, do ponto de vista das políticas e dos objetivos, as iniciais são intercambiáveis. O papel político dos DSA é (1) encurralar a oposição social por trás do Partido Democrata; (2) bloquear o desenvolvimento de um movimento revolucionário independente; e (3) fornecer ao Partido Democrata pró-capitalista e imperialista um verniz de “esquerda” para melhor executar as suas políticas.

Mas a capacidade dos DSA em cumprir esta função está desmoronando, em parte como resultado da exposição de Ocasio-Cortez como apenas mais uma reacionária pró-imperialista do Partido Democrata. É por isso que o Times e uma série de publicações como The Nation, New York Magazine e Jacobin saltaram em sua defesa numa série de tentativas desesperadas e desonestas de apresentá-la como uma agente de mudança. Mas quanto mais ela realmente fala, mais ela se transforma em objeto de ridículo, escárnio e desprezo. Hoje, o melhor conselho que os seus responsáveis políticos poderiam dar à AOC seria dizer-lhe para parar de se gabar de suas traições ou, melhor ainda, apenas se calar.