O CNE (Conselho Eleitoral Nacional da Venezuela) declarou, no início da segunda-feira, a reeleição do presidente Nicolás Maduro por uma margem de 51,2% contra 44,2% do adversário de direita Edmundo González.
O órgão eleitoral responsabilizou um ataque cibernético pelos atrasos, mas afirmou que apurou 80% dos votos e que eles mostram que a vitória de Maduro é “irreversível”. No momento em que este artigo foi escrito, o site do CNE ainda estava fora do ar e nenhum outro resultado havia sido publicado.
Como já era esperado, o governo Biden, seus regimes fantoches na região e a Plataforma Unitária, patrocinada pelos EUA, se recusaram a reconhecer os resultados. Em uma resposta claramente coordenada de forma prévia, o imperialismo dos EUA está usando as eleições para escalar seus esforços para uma mudança de regime.
Washington tem empreendido, repetidamente, tentativas fracassadas de sequestrar e matar a liderança venezuelana, sanções brutais para levar a população à miséria e à submissão completa e ameaças de uma invasão militar – tudo com o objetivo de pressionar setores dos círculos militares e lideranças venezuelanas a destituírem o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).
Apesar das declarações anteriores dos representantes da oposição concluírem que as irregularidades no processo de votação foram ocasionais e insignificantes, a líder da oposição, María Corina Machado, declarou, logo após o anúncio dos resultados anunciados pelo CNE, que eles eram produto de uma completa fraude. Segundo ela, a Plataforma Unitária teve acesso a 40% das atas dos centros de votação e essas atas deram a Gonzalez 70% dos votos.
Ao exigir do CNE que mostrasse os registros de todas as seções eleitorais, Machado deixou claro que os resultados exatos não têm importância. Seu principal apelo se dirigiu à liderança militar, com o argumento sutil de que a votação expressiva obtida pela oposição deixa claro que Maduro não pode mais garantir os interesses dos militares e o domínio capitalista.
Machado declarou: “Hoje os derrotamos com os votos em toda a Venezuela. Isso também sabem os membros do Plano República [supervisão militar das eleições], os militares-cidadãos sabem disso, eles estavam na primeira fila, viram o povo com alegria e esperança, organizado de forma cívica e pacífica. Eles sabem disso e o dever das Forças Armadas é garantir a soberania popular demonstrada no voto”.
Ela concluiu alertando para futuras ações “nos próximos dias”.
A chave para entender a crise política na Venezuela é o fato de que nem o regime do PSUV nem o imperialismo norte-americano ou seus representantes dão a mínima para a vontade democrática do povo venezuelano ou para uma resolução da catástrofe humanitária.
Todos os candidatos à eleição representam facções da classe capitalista ligadas a potências estrangeiras que disputam o acesso aos lucros da exploração dos trabalhadores venezuelanos e às maiores reservas de petróleo do mundo.
A estratégia geral de Washington foi resumida em linhas claras por Geoff Ramsey, do Atlantic Council, um think-tank que mantém laços estreitos com o aparato de inteligência dos EUA. “Não terminou”, escreveu, “Maduro precisa convencer a elite dominante de que pode manter as coisas sob controle, mas tanto ele quanto os militares sabem que ele não pode governar um país em chamas. Ele está efetivamente convocando o maior teste de lealdade diante dele dos últimos anos. Duvido que as elites venezuelanas estejam ansiosas por mais seis anos de repressão, sanções e catástrofe econômica.”
Logo após os resultados preliminares, o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, previsivelmente expressou “sérias preocupações de que os resultados anunciados não refletem a vontade ou os votos do povo venezuelano”.
Discursando em nome da potência que implementou mais ditadores do que qualquer outra – de Pinochet e Videla a Suharto e inúmeros outros – e que empreende guerras por procuração e invasões como política principal para a garantia de seus interesses geopolíticos e corporativos no mundo todo, Blinken disse em tom ameaçador: “A comunidade internacional está observando isso de perto e responderá de acordo.”
No início do dia, a vice-presidente e candidata à presidência dos EUA, Kamala Harris, escreveu no X: “A vontade do povo venezuelano deve ser respeitada”.
Blinken e Harris não encontrariam sociedade menos democrática do que os Estados Unidos, onde um grupo de bilionários comprou o controle de todas as instituições e da mídia e impõe seus interesses por meio da tirania bipartidária. Com a aquiescência do Partido Democrata, a Suprema Corte dos EUA não apenas roubou uma eleição em 2000, mas agora tornou o presidente americano um rei acima da lei.
A ameaça de ação internacional além das sanções que já devastaram a economia venezuelana representa uma ameaça real de deflagração, na América Latina, de uma nova frente da terceira guerra mundial que está em expansão. Para o imperialismo dos EUA e da OTAN, a Venezuela já é um campo de batalha fundamental em seus esforços para minar a Rússia, a China e o Irã, cujos governos mantêm laços econômicos e políticos com Caracas e já parabenizaram Maduro.
O regime do presidente argentino Javier Milei – defensor da ditadura militar fascista comandada pelo general Jorge Rafael Videla – foi encarregado de liderar a resposta das forças pró-EUA às eleições venezuelanas. Essa operação ocorre após meses de reuniões entre Milei e outras autoridades argentinas com a liderança da CIA e do Pentágono.
Nada mais poderia expressar melhor o caráter predatório e antidemocrático dos interesses dos EUA na região do que a parceria com essas forças.
Na segunda-feira, a Argentina liderou uma reunião e uma declaração conjunta com oito países (Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai), ecoando as “sérias preocupações sobre a condução das eleições presidenciais” na Venezuela. O documento, então, exige uma “revisão completa dos resultados”.
Vale acrescentar que o bilionário fascista Elon Musk retuitou uma declaração de Milei denunciando “fraude” na Venezuela. Musk acrescentou, sem muita convicção, “Que vergonha para o ditador Maduro”.
Em um sinal do que está por vir, a ministra da Segurança de Milei, Patricia Bullrich, reuniu milhares de apoiadores da oposição venezuelana para efetivamente cercar a Embaixada da Venezuela em Buenos Aires no domingo.
Embora não tenham assinado a declaração argentina, os presidentes de pseudoesquerda Gustavo Petro, da Colômbia, e Gabriel Boric, do Chile, assim como o presidente brasileiro Lula da Silva, fizeram apelos semelhantes, lançando dúvidas sobre os resultados e aderindo de forma submissa ao movimento, dirigido pelos EUA, por uma mudança de regime.
Por sua vez, o PSUV procurou se antecipar a movimentos golpistas internos ou externos ao aparato estatal. Os chamados “colectivos”, gangues pró-Maduro que agem em motocicletas, e apoiadores do governo foram convocados para proteger o Palácio presidencial de Miraflores, em Caracas, na noite de domingo, e para comemorar a vitória horas antes do anúncio dos resultados.
Tendo alertado anteriormente sobre uma guerra civil e um banho de sangue, Maduro disse em uma reunião de observadores internacionais na noite de sábado que “a milícia é a arma secreta da doutrina de defesa nacional, da guerra de todo o povo”. Esse foi um chamado às forças pró-governo armadas e treinadas, que atuam como unidade extraconstitucional do Exército, para se manter de prontidão caso setores das forças armadas se voltem contra seu regime.
Na sequência, o Ministro da Defesa Vladimir Padrino declarou: “Conte com a Milícia Bolivariana para todas as batalhas que virão!”
Mesmo insistindo que os militares não serão “árbitro” das eleições, Padrino ordenou o envio de 388.000 militares, policiais e outros agentes de segurança para patrulhar as seções eleitorais, guardar e transportar todo o material eleitoral e “garantir a ordem a todo custo”.
Essa foi uma afirmação de que, no final das contas, os militares intervirão para garantir o domínio burguês, mesmo que isso signifique alterar os resultados das eleições.
Em Tachira, um estado historicamente pró-oposição que faz fronteira com a Colômbia, homens mascarados aparecem em vários vídeos usando granadas de choque e munição real contra multidões. Há relatos confirmados da morte de um homem, Julio Valerio García, e de vários feridos.
A Venezuela está à beira de uma guerra civil, de uma miséria econômica ainda maior e de se tornar uma frente ativa na guerra mundial imperialista. Já é hora de os trabalhadores tirarem conclusões de longo alcance.
O fato de que um desconhecido que substituiu Machado – uma criatura de extrema direita fruto da CIA e defensora das sanções, e até mesmo da intervenção, dos EUA – poderia, de maneira plausível, ter derrotado Maduro é uma prova contundente contra todo o projeto bolivariano e a Maré Rosa na região.
Os chavistas não conseguiram responder à agressão imperialista dos EUA e à crise do capitalismo senão com um violento giro à direita, confiando cada vez mais na repressão do estado policial e tornando-se servos diretos das empresas petrolíferas e de Wall Street.
Com o imperialismo norte-americano enfraquecido e desacreditado como nunca e com as facções da classe dominante se digladiando, qualquer movimento revolucionário que representasse os interesses da classe trabalhadora usaria esse momento para lutar pelo poder e impulsionar internacionalmente a revolução socialista.
Mas não há alternativa revolucionária ou genuinamente de esquerda na Venezuela. Pelo contrário, todas as organizações que afirmam lutar pelos trabalhadores canalizaram, num momento ou outro, a oposição popular para o chavismo, cujo papel principal sempre foi o de impedir qualquer intervenção política independente da classe trabalhadora.
Hugo Chávez, um tenente-coronel, ganhou destaque em 1992 após liderar um golpe fracassado contra a presidência impopular de Carlos Andrés Pérez. Dois anos mais tarde, em meio a uma crise financeira e baixos preços do petróleo, o presidente Rafael Caldera libertou Chávez da prisão, vendo nele uma figura útil para conter a oposição massiva contra os ditames de austeridade do FMI, as privatizações, a alta inflação e o odiado sistema bipartidário do Pacto de Puntofijo, criado em 1958 pelo próprio Caldera. Chávez venceria a eleição em 1998, tendo feito campanha durante anos em todo o país para uma assembleia constitucional, juntamente com reformas democráticas e sociais.
Após a morte de Chávez por câncer em 2013, o World Socialist Web Site apontou para o fato de que o uso de parte da bonança petrolífera da Venezuela por seu governo para programas sociais e nacionalizações parciais não “representou um caminho para o socialismo” e “não fez nenhuma transgressão séria aos interesses de lucro”. Na verdade, Chávez desperdiçou a maior parte do boom do petróleo pagando credores estrangeiros, aumentando os lucros das transnacionais e cultivando uma facção da classe dominante e da liderança militar, chamada de boliburguesia, que enriqueceu com a corrupção e os contratos governamentais. Embora o PIB tenha se multiplicado 4,5 vezes na década anterior à sua morte, não houve nenhum grande desenvolvimento industrial ou agrícola, o que preparou uma grande queda quando os preços caíram.
A catástrofe social atual, o crescimento da extrema-direita e o perigo de uma guerra civil são, em primeiro lugar, responsabilidade das tendências de pseudoesquerda que deram apoio político a Chávez e bloquearam uma alternativa genuinamente revolucionária. Isso se aplica a uma miríade de tendências pablistas que desde o pós-guerra abandonaram os princípios do trotskismo e defenderam, no lugar dele, a sua liquidação nas forças nacionalistas burguesas.
Do general argentino Juan Domingo Perón a Fidel Castro em Cuba, Salvador Allende no Chile, general J.J. Torres na Bolívia, general Velasco Alvarado no Peru e general Omar Torrijos no Panamá, essas forças buscaram repetidamente subordinar os trabalhadores a forças reformistas burguesas que, em muitos casos, acabaram facilitando a ascensão de ditadores militares fascistas apoiados pelos EUA.
Como o WSWS escreveu em 2013, essas forças:
...foram atraídas pelo “socialismo do século XXI” de Chávez precisamente por sua hostilidade à concepção marxista de que uma transformação socialista só pode ser realizada por meio da luta independente e consciente da classe trabalhadora para derrubar o capitalismo e tomar o poder em suas próprias mãos. De fato, esses elementos políticos pequeno-burgueses são atraídos por uma política destinada a salvar o capitalismo da revolução, imposta de cima por um comandante carismático. Essas camadas se deslocaram muito para a direita desde o auge de sua adaptação ao castrismo nas décadas de 1960 e 1970.
Os desenvolvimentos objetivos dos últimos 40 anos, incluindo a dissolução da URSS e o processo de globalização capitalista, tornaram inviáveis todos os programas reformistas nacionais. Além disso, o crescimento das classes trabalhadoras urbanas em massa em toda a América Latina tornou as elites governantes ainda mais subservientes ao imperialismo e hostis a qualquer reforma democrática séria.
Contra a crescente ameaça de ditadura e guerra, os trabalhadores e os jovens da Venezuela e de toda a região devem lutar para construir o Comitê Internacional da Quarta Internacional, a liderança do movimento trotskista mundial. Como ficou claro pela trágica história de traições na América Latina, o primeiro passo deve ser um estudo cuidadoso das lições programáticas da luta de décadas do CIQI contra o pablismo e todas as outras agências de pseudoesquerda das burguesias locais e do imperialismo.