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Perspectivas

Sobre a eleição de Donald Trump

Publicado originalmente em 6 de novembro de 2024

No domingo, 10 de novembro, às 17h (horário de Brasília), o Partido Socialista pela Igualdade (SEP) nos EUA irá realizar o evento online “O desastre eleitoral e a luta contra a ditadura”. Seu objetivo é fornecer uma análise da situação política atual e discutir a estratégia e o programa necessários para as lutas que estão por vir sob um novo governo Trump. Inscreva-se e participe do evento em: wsws.org/FightTrump.

A eleição de Donald Trump é um evento crítico na prolongada crise da democracia americana, cujas repercussões devastadoras serão sentidas em todo o mundo. Um demagogo fascista - que tentou em janeiro de 2021 reverter violentamente a última eleição presidencial - venceu de forma decisiva a eleição de 2024 pela maioria do voto dos delegados e popular. Ele voltará a ocupar a Casa Branca em pouco mais de 70 dias.

Donald Trump, ex-presidente e candidato republicano à presidência, em um comício de campanha em Reading, na Pensilvânia, em 9 de outubro de 2024. [AP Photo/Alex Brandon]

Trump deve seu triunfo político à falência do Partido Democrata, cuja fixação com a política de identidade da classe média abastada, a indiferença arrogante em relação ao impacto devastador da inflação sobre os padrões de vida dos trabalhadores e o apoio implacável à guerra na Ucrânia e ao genocídio em Gaza prepararam o terreno para o desastre eleitoral.

Os principais setores da imprensa capitalista já estão tentando minimizar as implicações políticas da vitória de Trump. “A eleição do Sr. Trump representa uma grave ameaça”, escreveu o New York Times, “mas ele não determinará o destino de longo prazo da democracia americana”. O Times tranquilizou seus leitores dizendo que Trump será um presidente fraco porque ele foi impedido pela Constituição de concorrer a outro mandato.

Isso é uma ilusão. Trump proclamou abertamente que esta seria a última eleição e que seus apoiadores não teriam que votar novamente. A realidade política é que a eleição de Trump prepara o terreno para uma onda sem precedentes de contrarrevolução social, que ele planeja impor com mão de ferro.

Trump prometeu se tornar um “ditador” e mobilizar as forças armadas para esmagar “o inimigo interno”. Ele planeja deportar 11 milhões de imigrantes ilegais, uma operação que exigiria colocar as principais cidades americanas sob lei marcial. Ele cogitou a eliminação do imposto de renda e prometeu reduzir os impostos para os ricos e acabar com as regulamentações corporativas. O impacto devastador que essas políticas terão sobre a classe trabalhadora não pode ser exagerado.

Trump não é um acidente político. Independentemente de como foi alcançado - e isso não significa minimizar a cumplicidade política do Partido Democrata -, a chegada ao poder de um segundo governo Trump representa o realinhamento violento da superestrutura política americana para corresponder às relações sociais reais que existem nos Estados Unidos.

Donald Trump não fala simplesmente como um indivíduo criminoso, mas como representante de uma poderosa oligarquia capitalista que tomou forma nas últimas três ou quatro décadas. Megamilionários e bilionários - liderados por pessoas como Elon Musk, Jeff Bezos, Peter Thiel e Larry Ellison - estão utilizando Trump para realizar, em seus interesses, uma reestruturação reacionária da sociedade americana. Eles usarão o tempo que antecede a posse em 20 de janeiro para preparar a enxurrada de medidas repressivas e socialmente reacionárias que serão lançadas assim que Trump estiver novamente na Casa Branca.

Ele foi capaz de explorar a ausência, no establishment político, de qualquer articulação dos interesses da grande maioria da população. A campanha de Harris se opôs a fazer qualquer apelo social à classe trabalhadora, sendo direcionada aos eleitores mais ricos, promovendo odiados belicistas como Liz Cheney e prometendo colocar republicanos em seus ministérios.

Harris, Barack Obama e outros representantes dos democratas percorreram o país dizendo aos eleitores que o fato de não votarem em Harris seria prova de misoginia ou racismo. Eles combinaram apelos incessantes à identidade racial e de gênero com o endosso total da guerra no exterior. Os democratas prometeram mais apoio ao ataque genocida de Israel a Gaza e defenderam uma escalada da guerra entre os EUA e a OTAN contra a Rússia na Ucrânia.

Os democratas não ofereceram nada para lidar com a escalada da crise social nos Estados Unidos, apresentando o país como “no caminho certo” para uma população que quase unanimemente acredita no contrário. Figuras como Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez apresentaram a mentira absurda de que o governo Biden-Harris havia melhorado as condições para os trabalhadores e que Harris desafiaria a dominação da “classe bilionária”. Imitando a afirmação de Hillary Clinton em 2016 de que a classe trabalhadora consiste em “uma cesta de deploráveis”, Biden chamou os apoiadores de Trump de “lixo” nos últimos dias da eleição.

O total de votos não mostra um aumento no apoio a Trump, que parece ter perdido votos em comparação com seus totais de 2020, mas um colapso impressionante no apoio aos democratas, com Harris obtendo algo entre 10 e 15 milhões de votos a menos do que Joe Biden em 2020.

Harris teve um desempenho inferior ao de Biden em todas as regiões do país. Os esforços do Partido Democrata para convencer vários grupos raciais e de gênero a apoiar a campanha de Harris com base em um apelo à identidade não deram em nada. Trump teve o maior aumento nas margens de votos em distritos onde mais de 50% da população não é branca, e os dados da pesquisa de boca de urna mostram que Harris perdeu entre os homens latinos em nível nacional por 54% a 44%, uma reversão em relação a 2020, quando Biden venceu nesse grupo demográfico por 59% a 39%.

Harris teve um desempenho inferior ao de Biden em todas as regiões do país. Os esforços do Partido Democrata para convencer vários grupos raciais e de gênero a apoiar a campanha de Harris com base em um apelo à identidade não deram em nada. Trump teve o maior aumento nos votos em distritos onde mais de 50% da população não é branca, e os dados da pesquisa de boca de urna mostram que Harris perdeu votos de homens latinos em todo o país por 54% a 44%, uma reversão em relação a 2020, quando Biden venceu esse segmento por 59% a 39%.

A margem pela qual os democratas conquistaram os eleitores jovens também caiu substancialmente em relação a 2020, pois inúmeros jovens se recusaram a votar no candidato cúmplice do genocídio em Gaza. Harris conquistou os eleitores mais jovens por apenas 56% a 41%, em comparação com os 65% a 31% de Biden. Trump obteve a maioria dos votos entre os eleitores que votaram pela primeira vez, um sinal de que os democratas não conseguiram ativar os eleitores além da classe média-alta abastada.

Na verdade, Harris melhorou apenas entre os ricos. Entre os eleitores com renda de US$ 200.000 ou mais, ela venceu por 52% a 44%, revertendo uma vitória apertada de Trump nessa faixa de renda em 2020. Trump venceu os eleitores com renda entre US$ 100.000 e US$ 200.000 em 2020 por 58% a 41%, mas Harris venceu por 53% a 45%. Ao mesmo tempo, os democratas viram um colapso no apoio dos trabalhadores, com Harris perdendo aqueles que ganham entre US$ 30.000 e US$ 100.000, uma ampla faixa da população que Biden venceu por cerca de 57% a 43% em 2020.

Os eleitores foram movidos por uma profunda raiva social. Entre os 43% dos eleitores que disseram estar “insatisfeitos” com “a maneira como as coisas estão acontecendo no país hoje”, Trump venceu por 54% a 44%. Entre os 29% que responderam que estavam “com raiva”, Trump venceu por 71% a 27%. Harris venceu por 89% a 10% entre a pequena parcela da população que está “entusiasmada” com as condições econômicas e sociais atuais. A porcentagem total da população que disse que sua situação financeira está “pior” hoje em relação a quatro anos atrás mais do que dobrou, chegando a 45%, com Trump vencendo esses eleitores por uma margem de 80 a 17%.

Trump e os republicanos estão bem cientes de que presidirão um barril de pólvora social e que as políticas de direita que planejam implementar apenas aprofundarão a raiva social. Sua estratégia é combinar a repressão em massa do Estado policial com uma campanha fascista para culpar os imigrantes como bodes expiatórios de todos os males sociais. Embora as pesquisas de boca de urna não sugiram que os eleitores tenham sido enganados pelos ataques vis de Trump contra os imigrantes e embora a grande maioria diga que acredita que os imigrantes merecem obter a cidadania em vez de enfrentar a deportação em massa, o cenário está montado para um ataque massivo e violento contra os trabalhadores imigrantes em uma escala que fará com que até mesmo seu primeiro governo pareça brincadeira de criança.

E, embora as alegações demagógicas de Trump de se opor à guerra possam ter conquistado votos dos incansáveis belicistas do Partido Democrata, Trump é, ele próprio, um implacável político imperialista que defende a escalada de confrontos com a China, o Irã e a Coreia do Norte.

A resposta dos democratas à vitória eleitoral de Trump será buscar um compromisso e uma coalizão, o que já ficou evidente na declaração capituladora de Harris na tarde de quarta-feira. Ela não fez nenhuma advertência sobre o caráter ditatorial do novo regime de Trump e se comprometeu a cooperar com a transição para o futuro Führer americano. Os democratas irão se deslocar ainda mais para a direita, enquanto procuram forjar um acordo com os republicanos em sua prioridade central, a escalada da guerra.

O caráter reacionário do programa político e social de Trump ficará bastante claro. À medida que a classe dominante busca reestruturar o Estado, é necessário reestruturar a política, de acordo com as linhas de classe. Como escreveu o presidente do Conselho Editorial Internacional do WSWS, David North, a eleição de Trump “é o resultado desastroso do repúdio de longo prazo e muito deliberado do Partido Democrata a qualquer orientação programática para a classe trabalhadora...

Nos Estados Unidos, o novo antimarxismo se misturou à tradição de longa data do anticomunismo. As políticas de esquerda, do tipo ligado à militância da classe trabalhadora, desapareceram. As queixas relacionadas à identidade substituíram qualquer preocupação séria com a concentração maciça de riqueza em um pequeno segmento da sociedade às custas da classe trabalhadora.

Aqueles que promoveram essa forma de política de direita, promovida pelo Partido Democrata, agora recorrem à mais falida de todas as respostas à eleição: culpar a população.

Na verdade, no ano passado, houve um crescimento explosivo da oposição política e social, desde os protestos em massa contra o genocídio em Gaza até o crescimento constante das greves dos trabalhadores, que estão se esforçando para se libertar do controle do aparato sindical corporativista. Imensas lutas sociais estão no horizonte.

Essas lutas devem ser politicamente direcionadas e devem ser guiadas pelo entendimento de que o fascismo só pode ser detido pelo desenvolvimento de um movimento independente da classe trabalhadora contra a fonte da reação política e da oligarquia: o sistema capitalista. Deve haver “um novo nascimento” de uma política genuinamente socialista, baseada na classe trabalhadora e animada por uma estratégia internacional.

O Partido Socialista pela Igualdade, por meio de sua campanha eleitoral presidencial de Joseph Kishore e Jerry White, se propôs a mobilizar a classe trabalhadora em um programa internacional e socialista em oposição à guerra, à desigualdade e ao sistema capitalista que as produzem. Esse programa agora assume uma urgência ainda maior. No próximo período, o Partido Socialista pela Igualdade e o Comitê Internacional da Quarta Internacional lutarão para conquistar a liderança de um movimento crescente de trabalhadores e jovens contra a guerra, a ditadura e a desigualdade e pela transformação socialista da sociedade.

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