Nos últimos meses, uma campanha pela redução da jornada de trabalho no Brasil viralizou nas redes sociais, com ampla repercussão na mídia corporativa. O significativo apoio à campanha entre trabalhadores e a juventude brasileiros, submetidos a um regime brutal de exploração do trabalho num dos países mais desiguais do mundo, está sendo canalizado pelo pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) para o beco sem saída do nacionalismo e das instituições do Estado burguês.
Uma petição ao Congresso Nacional em setembro do ano passado exigindo o fim da chamada escala de trabalho 6x1 (seis dias seguidos de trabalho para um de folga) recebeu quase três milhões de assinaturas, metade delas somente nos últimos três meses. Intitulada “Por um Brasil que Vai Além do Trabalho”, ela afirma que a “jornada de trabalho no Brasil frequentemente ultrapassa os limites razoáveis, com a escala de trabalho 6x1 sendo uma das principais causas de exaustão física e mental dos trabalhadores”.
A petição defende “uma revisão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ... permitindo que os trabalhadores desfrutem de tempo para suas vidas pessoais e familiares” e a “Criação de políticas de proteção ao trabalhador que incluam o direito a férias regulares, licença parental, limitação de horas extras, entre outras”.
As redes sociais tiveram um papel preponderante para inicialmente denunciar a escala 6x1 e depois divulgar a petição. Em setembro de 2023, o trabalhador de farmácia Ricardo Azevedo lançou um vídeo que viralizou no TikTok em que questionava: “Eu estou querendo saber quando é que nós, da classe trabalhadora, iremos fazer uma revolução neste país em relação a essa escala 6x1?” Ele depois criou o “Movimento Vida Além do Trabalho” e a petição pelo fim da escala 6x1.
Azevedo, até poucos meses atrás uma figura política desconhecida, foi elevado rapidamente dentro do PSOL e se elegeu vereador no Rio de Janeiro com base na demanda pelo fim da escala 6x1 na eleição de outubro com 29.364 votos, o maior número de votos entre os candidatos do partido ao cargo.
Em 1˚ de maio deste ano, a deputada federal do PSOL, Erika Hilton, foi a autora de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para acabar com a escala 6x1 baseada na petição do VAT. Em 13 de novembro, ela conseguiu o número mínimo de assinaturas para que a PEC comece a tramitar no Congresso Nacional.
Segundo a proposta, a jornada de trabalho terá “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana”, sem redução salarial. Hoje, a jornada de trabalho no Brasil é de 44 horas por semana.
A PEC também chama a atenção para o fato de apesar de a Constituição de 1988, a primeira depois do fim da ditadura militar no Brasil apoiada pelos EUA (1964-1985), ter reduzido a jornada de trabalho de 48 horas para 44 horas semanais, “as outras grandes alterações na legislação do tempo de trabalho favoreceram os empresários em detrimento dos trabalhadores, como aconteceu em 2017.”
Em 2017, o governo do presidente Michel Temer, do MDB, aprovou uma reforma trabalhista com ataques brutais à classe trabalhadora brasileira. As intensas disputas entre setores da burguesia brasileira refletiam a sua crise intragável em meio à maior recessão econômica no país em um século, e levaram ao fraudulento impeachment de 2016 da presidente petista Dilma Rousseff. A reforma de 2017 teve o objetivo fundamental de reestruturar as relações de classe no Brasil com uma série de flexibilizações nas relações trabalhistas, tendo aumentado os empregos informais, mal pagos e temporários.
Entre outros ataques que impactam particularmente os trabalhadores na escala 6x1, a reforma trabalhista de 2017 possibilitou que as empresas exijam até duas horas extras de trabalho, incluindo aos finais de semana, quando predominam a escala 6x1. Esse regime substituiu o anterior, vigente desde a criação da CLT em 1943, no qual os trabalhadores recebiam 50% de remuneração adicional por hora extra, chegando a 100% aos sábados e domingos. Apesar de a reforma trabalhista determinar que essas horas extras tenham que ser compensadas com um igual número de horas de folga em um prazo de seis meses, isso muitas vezes não é cumprido pela empresas.
Segundo uma pesquisa realizada pela empresa de seguros Maxis GBN em 2019, os trabalhadores no Brasil cumprem em média 18 horas extras todos os meses, adicionando 4,5 horas à sua jornada de trabalho semanal.
A escala 6x1 é amplamente difundida no comércio e serviços, os dois setores com mais trabalhadores formais no Brasil e que precisam funcionar todos os dias da semana. Dos quase 55 milhões de trabalhadores formais no Brasil, cerca de dois terços trabalham mais de 40 horas por semana e provavelmente realizam a escala 6x1. Além de jornadas de trabalho exaustivas, aqueles que trabalham mais de 40 horas por semana recebem baixos salários, com com 42% deles recendo até 1,5 salário-mínimo (2,1 mil reais) e 82% dos trabalhadores do comércio e serviços recebendo menos do que dois salários-mínimos (R$ 2.824).
O debate sobre a escala 6x1 no Brasil também expôs o papel direitista do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT). Em 11 de novembro, dias antes de a PEC conseguir o número de assinaturas mínimo para tramitar no Congresso brasileiro, o ex-burocrata sindical e ministro do trabalho, Luiz Marinho, escreveu no X/Twitter: “o ministério do trabalho entende que a questão da escala de trabalho 6x1 deve ser tratada em convenções e acordos coletivos de trabalho” entre os sindicatos e as empresas. Diante da ampla repercussão negativa, que expôs o conluio entre os sindicatos e as empresas em muitas situações, Marinho foi forçado a declarar dias depois que a escala 6x1 é “cruel” e que o governo “tem grande simpatia” pelo fim da escala 6x1.
O que o governo Lula mais teme é que o grande apoio por essa demanda se una a uma luta crescente da classe trabalhadora brasileira, incluindo várias categorias de funcionários públicos federais que realizaram inúmeras greves neste ano, e se volte contra ele. Depois de ser eleito prometendo revogar uma série de reformas pró-corporativas desde o impeachment de Rousseff, incluindo a trabalhista, e ignorá-las, o governo Lula está dando continuidade a uma série de ataques à classe trabalhadora. Como consequência de seu “novo arcabouço fiscal” que limitou os gastos sociais, ele conseguiu aprovar no Congresso brasileiro em 20 de dezembro um corte principalmente nos gastos sociais de quase R$ 70 bilhões do orçamento federal dos próximos dois anos.
Os cortes aconteceram em meio à intensificação da crise social no Brasil em meio a sinais crescentes de uma intensificação da crise econômica global. Dados de uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostram que seis de oito capitais brasileiras sofreram fortes aumentos nos preços dos itens da cesta básica nos últimos seis meses. Isso certamente contribuiu para que 53% dos brasileiros acreditem que o ano 2024 foi ruim para eles e suas famílias, segundo recente pesquisa de opinião do Instituto Ipsos.
O amplo apoio popular à petição pelo fim da escala 6x1 é apenas uma expressão limitada dessa crise e da oposição massiva acumulada contra anos de cortes aos serviços públicos e destruição de empregos e direitos históricos da classe trabalhadora. Porém, o que o “Movimento Vida Além do Trabalho” e o PSOL que estão fazendo é impedir que os trabalhadores e a juventude compreendam a origem da exploração capitalista por trás da escala 6x1 e desvie essa demanda para apelos inúteis ao Congresso brasileiro baseados no nacionalismo burguês.
Reproduzindo uma série de lugares comuns do mundo corporativo, os conteúdos da petição do “Movimento Vida Além do Trabalho” e da PEC repetem a velha concepção do nacionalismo burguês de que é possível achar um meio termo para satisfazer os interesses dos trabalhadores e dos empregadores e, consequentemente, contribuir para o desenvolvimento econômico nacional.
Segundo o texto da PEC elaborado pelo PSOL, a adoção de uma jornada de trabalho de quatro dias por semana alinha “as práticas trabalhistas do país às tendências globais de flexibilização e humanização dos ambientes de trabalho”, representando uma “inovação significativa na gestão de recursos humanos, visando não apenas a melhoria do bem-estar dos trabalhadores, mas também a promoção de um aumento na produtividade e eficiência das empresas brasileiras”.
Sob condições de agudização das tensões de classe no Brasil e internacionalmente, o PSOL e o “Movimento Vida Além do Trabalho” estão cumprindo um papel calculado de impedir que a revolta da classe trabalhadora atravesse a estrutura parlamentar burguesa. Essa perspectiva se alinha perfeitamente ao programa pequeno-burguês do PSOL, cuja especialidade é dar uma cobertura de esquerda ao PT - de onde saiu em 2004 e hoje possui cargos e ministérios no governo Lula - e desviar toda oposição política para os canais do Estado capitalista sob uma retórica pseudorradical.
Hoje, mais do que em qualquer outro momento na história, as forças produtivas são capazes de garantir padrões de vida dignos com tempo de folga para todos os trabalhadores. Porém, todas as organizações políticas envolvidas na campanha pelo fim da escala 6x1 são completamente baseadas na estrutura capitalista ultrapassada de Estados nacionais e da propriedade privada dos meios de produção.
Isso significa que não se trata de reduzir as condições de exploração, mas sim de desenvolver uma luta da classe trabalhadora internacional para pôr fim ao sistema de exploração de salários, que produz o empobrecimento dos trabalhadores, e está levando a sociedade de volta às guerras e ditaduras.
Como inúmeros exemplos internacionalmente têm mostrado, particularmente nas recentes greves na Amazon e Starbucks nos EUA, a luta por melhorias sociais não é uma luta “dos brasileiros”, mas dos trabalhadores de todo o mundo que confrontam cada vez mais condições de exploração similares dentro do capitalismo. A resposta da classe dominante reforça a necessidade de construção de um movimento massivo e independente da classe trabalhadora para preparar a derrubada do capitalismo e organizar a sociedade sobre novas bases, i.e., o socialismo.
Para isso, os trabalhadores devem organizar sua luta por melhores salários e pela redução da jornada de trabalho através da formação de comitês de base independentes de partidos pseudoesquerdistas como o PSOL e dentro da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB).