Português
Perspectivas

Como o imperialismo americano planeja guerras de agressão

Publicado originalmente em inglês em 27 de março de 2025

Em 15 de março, o exército dos EUA lançou ataques aéreos em bairros residenciais de Sanaa, capital do Iêmen, matando 53 homens, mulheres e crianças. Entre os alvos estavam líderes políticos do governo Houthi. O Iêmen – o país mais pobre do Oriente Médio – tem sido nos últimos anos o alvo de bombardeios apoiados pelos EUA e da fome provocada pela Arábia Saudita, resultando na morte de mais de 400 mil pessoas.

Moradores inspecionam local atingindo por ataques aéreos americanos em Sanaa, no Iêmen, em 20 de março de 2025. [AP Photo]

Os ataques aéreos dos EUA violaram vários estatutos e tratados do direito internacional, tornando aqueles que o planejaram, realizaram e executaram culpados dos seguintes crimes de guerra:

  • Lançamento de um ataque não provocado, em violação à proibição do uso da força nos termos da Carta das Nações Unidas e do Estatuto de Roma.
  • Alvejar e matar líderes políticos que não estejam envolvidos em combate, em violação às proteções da Carta das Nações Unidas, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (ICCPR) e do Estatuto de Roma.
  • Empregar armas ou táticas que não façam distinção entre alvos militares e civis, violando a proibição de ataques indiscriminados, conforme descrito nas Convenções de Genebra e no Estatuto de Roma.

Em 24 de março, dez dias após os militares dos EUA lançarem o ataque contra o Iêmen, a revista Atlantic publicou uma reportagem revelando o fato de que as principais autoridades do governo Trump incluíram acidentalmente Jeffrey Goldberg, o editor-chefe da revista, em um grupo de mensagens no qual planejaram o ataque contra o Iêmen.

Após Goldberg descobrir que estava a par de uma conspiração criminosa para lançar uma guerra ilegal de agressão, retirou-se obedientemente do grupo de mensagens, notificou os conspiradores sobre o erro e esperou dez dias antes de publicar trechos selecionados da discussão.

A inclusão acidental de Goldberg nos planos de guerra provocou indignação no Partido Democrata e na mídia – não por causa da guerra criminosa de agressão ou dos crimes de guerra que estavam sendo planejados, mas porque a discussão ocorreu fora dos canais militares seguros.

O líder democrata na Câmara, Hakeem Jeffries, pediu a renúncia do secretário de Defesa, Pete Hegseth, alegando que suas ações “chocaram a consciência” e “provavelmente violaram a lei” – não por assassinar civis, mas por expor inadvertidamente esses crimes ao público.

Secretário de Defesa, Pete Hegseth, saindo do Salão Oval na Casa Branca em 21 de março de 2025. [AP Photo/Mark Schiefelbein]

Mas o que interessa ao público não é o canal pelo qual a conspiração foi discutida, mas o seu conteúdo. A discussão que vazou oferece um revelador vislumbre de como as guerras de agressão americanas são preparadas, lançadas e justificadas de forma fraudulenta. Embora os funcionários de Trump possam ter usado uma plataforma de comunicação diferente, o conteúdo espelha o planejamento e a fraude por trás de inúmeras guerras lançadas por governos anteriores.

O grupo no aplicativo Signal registrou uma discussão entre membros do alto escalão do governo Trump sobre o momento e a conveniência de lançar uma nova campanha contra o Iêmen. Embora o vice-presidente JD Vance tenha defendido um adiamento, Trump, que se comunicou com o grupo por meio de seu conselheiro de mentalidade fascista Stephen Miller, acabou decidindo lançar os ataques imediatamente.

A discussão deixou claro que o ataque a uma nação pequena, pobre e indefesa foi puramente uma “guerra de escolha”, com a intenção de sinalizar ao mundo que os Estados Unidos continuam sendo a potência militar global dominante.

Como o Secretário de Defesa Pete Hegseth explicou no tópico de mensagens, “Isso [não] é sobre os Houthis”, ou seja, o alvo nominal do ataque. Em vez disso, o objetivo era “restaurar a liberdade de navegação” e “restabelecer a dissuasão”.

A justificativa pública para o ataque contra o Iêmen foi a declaração do governo Houthi do país de que bloquearia a passagem de navios israelenses pelo Mar Vermelho, a menos que Israel parasse de bloquear a entrada de alimentos em Gaza.

A própria perspectiva desse desafio a Israel, o representante dos Estados Unidos no Oriente Médio, foi vista como um desafio ao imperialismo americano. Era preciso enfrentá-la com violência avassaladora para enviar uma mensagem ao resto do mundo e, nas palavras de Hegseth, “restabelecer a dissuasão”.

Cada uma das centenas de guerras, operações militares e campanhas de desestabilização realizadas pelos Estados Unidos desde que o país emergiu como potência imperialista foi justificada ao público como a resposta a uma ameaça iminente. O público tem sido informado repetidamente que, a menos que as forças armadas dos EUA entrem em ação, “pessoas morrerão”. Mas a discussão sobre o ataque ao Iêmen deixou claro que essa “ameaça iminente” não existia.

Na troca de mensagens, Joe Kent, indicado por Trump para chefiar o Centro Nacional de Contraterrorismo, escreveu: “Não existe nada sensível ao tempo que esteja determinando o cronograma. Teremos as mesmas opções em um mês”. Hegseth acrescentou: “Esperar algumas semanas ou um mês não altera fundamentalmente o cálculo”.

A questão mais urgente levantada pelos planos de guerra expostos do governo Trump contra o Iêmen é: que outras “guerras de escolha” o governo está preparando atualmente?

Vários participantes da discussão sobre o ataque ao Iêmen deixaram claro em declarações anteriores que o alvo central da agressão militar dos EUA é a China. Nas palavras de Hegseth, a China é o único país do mundo “com a capacidade e a intenção de ameaçar nossos... principais interesses nacionais”.

No início deste mês, Elon Musk – o homem mais rico do mundo e CEO de uma das principais empresas militares com contratos com o governo americano, a SpaceX – viajou para o Pentágono para participar de uma reunião secreta sobre os planos de guerra dos EUA contra a China, incluindo alvos específicos de ataque. No final, a reunião foi supostamente cancelada depois que as notícias sobre ela vazaram para a imprensa.

Mas o próprio fato de que essa reunião estava programada para acontecer levanta a questão: O governo Trump tem um cronograma para a guerra com a China, o país com a segunda maior população e economia do mundo e com o terceiro maior arsenal nuclear?

Em janeiro de 2023, o general de quatro estrelas Mike Minihan, chefe do Comando de Mobilidade Aérea da Força Aérea, emitiu um memorando interno prevendo uma guerra entre os EUA e a China até 2025. Ele escreveu, referindo-se ao presidente chinês Xi Jinping, que “a equipe, a razão e a oportunidade de Xi estão todas alinhadas para 2025”, e pediu às tropas que “considerassem suas questões pessoais” e praticassem atirando em “um alvo a 7 metros”, enfatizando que “a letalidade irredutível é o mais importante. Apontem para a cabeça”.

Na discussão sobre o ataque ao Iêmen, uma das principais preocupações levantadas por Vance foi que “o público não entende isso ou por que é necessário”.

Essa é, sem dúvida, uma questão central no planejamento de guerra do governo Trump contra a China: como fazer com que o povo americano aceite uma guerra do outro lado do mundo – uma guerra que envolveria, no mínimo, a morte de um grande número de soldados americanos e o gasto de centenas de bilhões de dólares e, na pior das hipóteses, a aniquilação nuclear das principais cidades americanas?

Um artigo na última edição da Foreign Affairs levanta essa mesma questão. Sob o título “Would Americans Go to War Against China?” [Os Americanos Entrariam em Guerra com a China?], a principal revista de política externa dos EUA argumenta que, embora “a maioria dos americanos diga que quer bater em retirada do mundo” – ou seja, iniciar menos guerras – a opinião pública poderia mudar se uma guerra com a China fosse enquadrada como uma resposta defensiva a um ataque contra os Estados Unidos.

O artigo declara: “Mas em uma pesquisa que realizamos em julho com americanos comuns e ex-funcionários de políticas dos EUA, descobrimos que uma clara maioria apoia o ataque à China se o Exército de Libertação Popular atingir navios dos EUA no Mar do Sul da China”.

Essa linha de argumentação está alinhada com as opiniões de Elbridge Colby, indicado por Trump ao cargo de subsecretário de defesa para políticas. Em seu livro de 2021, The Strategy of Denial [A estratégia de negação, em tradução livre], Colby argumentou que os EUA devem garantir que qualquer guerra com a China faça parecer que Pequim “deu o primeiro tiro”. Colby escreveu que Washington deve “deliberadamente fazer com que a China tenha que fortalecer a determinação da coalizão” – ou seja, provocar uma resposta que possa ser usada para justificar a guerra para o público e os aliados dos EUA.

Colby declarou:

Talvez a maneira mais clara e, às vezes, a mais importante de garantir que a China seja vista dessa forma seja simplesmente assegurando que ela seja a primeira a atacar. Poucas intuições morais humanas estão mais profundamente enraizadas que a de que aquele que começou é o agressor e, portanto, aquele que presumivelmente possui uma parcela maior de responsabilidade moral.

Em outras palavras, para que os Estados Unidos consigam mobilizar com sucesso o apoio público a uma guerra com a China, teriam que encenar uma versão do século XXI do naufrágio do USS Maine em 1898, usado para justificar a tomada de Cuba, Porto Rico e Filipinas pelos EUA, ou o incidente do Golfo de Tonkin, que foi usado para justificar a escalada massiva dos EUA na Guerra do Vietnã.

As discussões vazadas sobre o ataque ao Iêmen devem ser vistas como um aviso. O governo Trump, à frente de uma oligarquia financeira predatória e criminosa assolada por uma crise política, econômica e social, e enfrentando uma oposição interna crescente, é capaz de qualquer crime, inclusive o lançamento de uma guerra de agressão global em larga escala.

Loading