Um estudo divulgado pelo Ministério da Saúde do Brasil expôs o terrível impacto social da política de “COVID para sempre” iniciada pelo governo do presidente fascistóide Jair Bolsonaro (2019-2022) e continuada pelo atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT).
Intitulado “Epicovid 2.0: Inquérito nacional para avaliação da real dimensão da pandemia de COVID-19 no Brasil”, o estudo é o resultado da maior pesquisa de base populacional sobre a COVID-19 no Brasil. Apresentado em 18 de dezembro, os dados do estudo foram obtidos por meio de 33.000 entrevistas realizadas em visitas domiciliares em 133 cidades de todos os 27 estados brasileiros.
O estudo mostrou que a pandemia exacerbou a desigualdade social já extremamente aguda no Brasil, sendo a população mais pobre a mais severamente afetada pela COVID-19 e seus múltiplos efeitos. Quase 15% dos entrevistados relataram a morte de um membro da família devido à COVID-19, e 21,5% deles relataram que uma criança ou adolescente da família teve que interromper seus estudos em algum momento durante a pandemia.
Cerca de metade dos entrevistados afirmou ter sofrido insegurança alimentar em algum momento, relatando falta de dinheiro e/ou redução de sua própria alimentação para alimentar as crianças da casa. Além disso, quase 35% perderam o emprego e 48,6% tiveram uma redução na renda familiar. Todos esses desfechos ocorreram com mais frequência entre os setores mais pobres da população e nas famílias chefiadas por mulheres.
Essa situação fez com que o trabalho informal no início da pandemia explodisse no Brasil e, embora esteja diminuindo hoje, continua em níveis elevados. Quase metade da força de trabalho no Brasil era informal em meados de 2021, logo após a segunda onda mortal da pandemia, um número que caiu para 40% hoje.
Um dos achados significativos do estudo é que 65,2% das pessoas infectadas pelo novo coronavírus têm ou tiveram COVID longa, o que corresponde a cerca de 40 milhões de pessoas (18,9% da população brasileira). Desse total, quase 18 milhões de pessoas ainda apresentam uma série de sintomas ou complicações persistentes pós-COVID-19. De acordo com o estudo, os sintomas mais prevalentes entre as pessoas com COVID longa são perda de memória, dificuldade de concentração, perda de cabelo, dores articulares, ansiedade e cansaço.
De acordo com a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), a COVID longa é a “continuação ou o desenvolvimento de novos sintomas 3 meses após a infecção inicial pelo SARS-CoV-2, com esses sintomas durando pelo menos 2 meses sem outra explicação”. A condição pode atingir qualquer pessoa, independentemente da idade ou da gravidade da doença, e afetar diferentes órgãos e sistemas do corpo, com mais de 200 sintomas registrados até o momento.
Concluindo a apresentação do estudo, o pesquisador Pedro Hallal, Professor Titular da Universidade de Illinois Urbana-Champaign (EUA), disse que “os impactos da pandemia para a população brasileira são grandes e duradouros”, ao mesmo tempo que “a pandemia acirrou desigualdades em saúde históricas no Brasil”.
Apesar de importantes descobertas sobre o impacto da pandemia de COVID-19 no Brasil, o enquadramento do estudo considerou a pandemia como se fosse coisa do passado. O vírus, porém, continua circulando no Brasil e no mundo, causando infecções, mortes e uma série de debilitações associadas à COVID longa – uma situação totalmente ignorada pelo governo Lula.
Durante a apresentação do estudo, a ministra da saúde do governo do PT, Nísia Trindade, disse que o “Epicovid 2.0” é a continuação de “um estudo amplo, abrangente, sobre a COVID [que] foi idealizado durante a pandemia”, mas foi encerrado pelo “negacionismo” do governo Bolsonaro.
Hallal ainda explicou que a primeira versão do estudo teve o objetivo de “monitorar a disseminação do vírus” da COVID-19 no Brasil, enquanto a segunda versão, adaptada a um “novo momento da saúde pública no Brasil”, tem o objetivo de “avaliar os impactos que a pandemia teve”.
Entre maio e julho de 2020, Hallal coordenou o maior estudo epidemiológico sobre a pandemia no Brasil, financiado pelo Ministério da Saúde do governo Bolsonaro. Embora descontinuado pelo mesmo governo, o estudo na época mostrou uma subnotificação de seis vezes de casos no Brasil e que o risco de contaminação entre os povos indígenas é cinco vezes maior do que a média nacional, e entre os pobres duas vezes.
Hallal tornou-se um dos alvos de Bolsonaro e seus aliados políticos, que alvejaram o monitoramento da pandemia como parte de sua política de “imunidade de rebanho”. Depois de receber uma série de ameaças, particularmente por sua participação na Comissão Parlamentar de Inquérito de 2021, convocada pelo Senado brasileiro, que expôs a política criminosa do governo Bolsonaro, Hallal foi forçado a antecipar uma viagem para os EUA no final de 2021.
Apesar de denunciar a política de “imunidade de rebanho” do governo Bolsonaro, Hallal e outros pesquisadores acabaram se adaptando a fortes pressões de classe à medida que as vacinas se tornavam amplamente disponíveis e os governos capitalistas de todo o mundo começavam a prometer falsamente que conteriam a pandemia. O principal representante dessa política foi o governo dos Estados Unidos, chefiado por Joe Biden.
No início de 2022, durante a onda da variante Ômicron, Hallal usou sua autoridade científica para afirmar, de forma fraudulenta, que essa nova variante “vai infectar muita gente e muito rápido”, mas que é “bem menos agressiva” e que “pode fazer com que essa doença passe a conviver entre nós, assim como convivem outras”. Ele também defendeu que “existe um lado positivo da Ômicron. Existe a possibilidade de que a Ômicron seja o primeiro passo para que a COVID-19 se torne uma doença endêmica e não mais epidêmica ou pandêmica”.
O fato de o governo Lula usar e promover a alegada autoridade científica de Hallal diz muito sobre sua resposta à pandemia. Desde que assumiu o poder no início de 2023, o governo encerrou a notificação diária de casos, não implementou nenhuma campanha educativa sobre a COVID-19 e tem seguido a política da elite capitalista mundial de de apenas vacinar a população contra a COVID-19.
No entanto, mesmo essa última medida não tem acontecido de maneira universal, não tem utilizado as versões mais atualizadas das vacinas e tem acontecido com inúmeras falhas. Desde o final de 2023, as vacinas contra a COVID-19 têm coberto apenas os grupos prioritários, deixando de fora a grande maioria da população entre cinco e 60 anos de idade. A última vez que uma pessoa que não faz parte desses grupos tomou uma vacina contra a COVID-19 no Brasil foi há quase dois anos.
Relatos sobre a falta de vacinas contra a COVID-19 e outras doenças têm sido frequentes nas páginas da mídia corporativa brasileira desde meados do ano passado. Em setembro, cerca de 8 milhões de doses venceram enquanto municípios relatavam a falta do imunizante. Entre novembro e dezembro, a Confederação Nacional dos Municípios realizou um estudo que constatou que 65,8% dos 2.895 municípios que participaram da pesquisa estão com falta de várias vacinas, incluindo aquelas contra a COVID-19, varicela e coqueluche.
Além disso, de 2023 a 2024, o Ministério da Saúde incinerou quase R$2 bilhões em medicamentos, vacinas e insumos do Sistema Único de Saúde (SUS), um desperdício três vezes maior do que todo o governo Bolsonaro e um recorde numa série histórica de 10 anos (2015-2024). As vacinas contra a COVID-19 figuram como as maiores perdas, somando R$1,8 bilhão.
Por mais que o governo Lula tente se distanciar da política de “imunidade de rebanho” de Bolsonaro, na prática ele tem submetido a população a sucessivas ondas de infecções, aprisionando a classe trabalhadora em um novo normal de doenças crônicas.
Por mais que as vacinas não evitem a infecção, elas reduzem o risco da infecção, da hospitalização e do desenvolvimento das inúmeras sequelas associadas à COVID longa. Desde os primeiros anos da pandemia, ficou claro que a proteção oferecida pelas vacinas diminui após meses, e é por isso que as doses de reforço e as vacinações anuais foram logo recomendadas para manter a imunidade.
Um estudo significativo publicado em julho de 2024, liderado por Dr. Ziyad Al-Aly, um dos mais proeminentes pesquisadores sobre a COVID longa, mostrou que a vacinação reduziu a incidência da COVID longa em quase pela metade. No contexto da livre circulação do SARS-CoV-2, os autores notam: “O grande número de pessoas infectadas durante a era da Ômicron, o grande número de novas infecções e reinfecções em andamento e a baixa adesão à vacinação podem se traduzir em um grande número de pessoas com [sequelas pós-agudas da COVID-19]”.
Esse e inúmeros outros estudos expõem a alegação do governo Lula de “seguir a ciência” contra a COVID-19 como parte de uma suposta “reconstrução do Brasil” após os anos de destruição do governo Bolsonaro. Significativamente, foi na publicação dos resultadoss do “Epicovid 2.0” que pela primeira vez autoridades do governo Lula falaram sobre a COVID longa. Isso, por sua vez, não veio acompanhado de campanhas de conscientização para mostrar para a ampla população brasileira o que é esta condição crônica e muito menos explicar a melhor maneira de evita-la: não ser infectado pela COVID-19.
Em uma entrevista publicada recentemente no WSWS, com ampla repercurssão nas redes sociais, o Dr. Arijit Chakravarty, um dos principais cientistas a alertar sobre os riscos da COVID-19 para a saúde pública, defendeu uma “estratégia multifacetada” em detrimento da estratégia de apenas vacinar a população. Segundo ele, a sociedade “tem uma chance de lutar” contra um vírus com uma evolução como o SARS-CoV-2 somente com uma estratégia que “limite a disseminação de infecções de longo prazo, desenvolva terapias combinadas para infecções de longo prazo, use a abordagem multifacetada para reduzir a carga viral, incluindo a implantação de itens como filtros HEPA e luz UVC distante e o monitoramento da carga viral em espaços públicos”.
A presença contínua do SARS-CoV-2 e de novos surtos de doenças que foram controladas por décadas não é um acidente incontrolável, mas a consequência de uma política intencional contra a saúde pública. Décadas de conhecimento acumulado sobre saúde pública fornecem os meios para eliminar a COVID-19 e inúmeras outras doenças.
No entanto, tudo isso tem sido ignorado pelo governo Lula e por outros regimes capitalistas em todo o mundo, que têm subordinado a saúde humana e outros direitos sociais aos interesses do lucro. A luta pelos direitos sociais fundamentais deve se desenvolver no Brasil e em todo o mundo como parte de um movimento internacional e socialista para reorganizar a sociedade com base nas necessidades sociais e humanas.