O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores - PT) demitiu em 25 de fevereiro a ministra da saúde, Nísia Trindade. Nos dois anos em que ela esteve no cargo, sua gestão ficou marcada pelo maior surto de dengue da história do país e pelo aprofundamento da política de “imunidade de rebanho” em resposta à pandemia de COVID-19.
Ela será substituída pelo ex-ministro das relações institucionais, Alexandre Padilha, que já tinha ocupado o ministério entre 2011 e 2014 no governo de Dilma Rousseff (PT).
Ex-presidente do maior instituto epidemiológico do Brasil, a Fiocruz, a ex-ministra Trindade era considerada um “quadro técnico” que tinha sido escolhido por Lula para sua alegada “reconstrução do Brasil” depois de quatro anos de destruição do governo do ex-presidente fascista Jair Bolsonaro (2019-2022). Com a substituição de Trindade, Lula espera que o ministério da saúde sob Padilha o ajude a aumentar a cada vez menor taxa de aprovação de seu governo e o coloque em uma posição melhor na eleição presidencial de 2026.
Ausente em toda a imprensa burguesa foi uma avaliação objetiva da gestão de Trindade à frente do ministério da saúde, em primeiro lugar na resposta à pandemia de COVID-19. As muitas alegações na imprensa de que sua demissão representou um ato de “misoginia” do governo Lula foram amplificadas pela pseudoesquerda, que ao longo de toda a pandemia tem funcionado como uma cobertura de esquerda à política de “COVID para sempre” da elite dominante mundial.
Qualquer avaliação séria sobre o ministério da saúde de Lula passa por um balanço da pandemia de COVID-19 nesses pouco mais de dois anos de seu governo. Significativamente, um dia depois da demissão de Trindade, o Brasil marcou os cinco anos do primeiro caso de COVID-19 no país, um assunto pouco noticiado na imprensa brasileira.
Em meados de fevereiro de 2023, logo após a posse de Lula, o ministério da saúde de seu governo decidiu acabar com a divulgação dos dados diários da COVID-19 no Brasil sem qualquer consideração científica. Dias depois, Trindade realizou seu primeiro pronunciamento em cadeia nacional, dizendo que “finalmente, chegou a hora de celebrarmos a maior festa popular [o carnaval] do nosso país”.
Como o WSWS escreveu na época, “essa declaração na véspera do carnaval, quando os setores de serviços e turismo no Brasil lucram bilhões, também expressou a intenção do governo Lula em não colocar quaisquer restrições à economia mesmo com o agravamento da pandemia”.
Hoje, essa situação só se agravou no Brasil, que tem assistido a um aumento no número de casos e mortes no início do ano após as festas de Natal e final de ano. O carnaval, um evento que reúne milhões de pessoas em todo o Brasil, tem servido como um evento super-propagador para o novo coronavírus no país.
Mesmo com esse padrão bem-estabelecido, o governo Lula tem preferido ignorar a ciência em detrimento dos lucros privados. O país está passando por uma nova onda da pandemia de COVID-19, que certamente se agravará nos próximos dias e semanas devido ao carnaval.
Dados divulgados em 25 de fevereiro pelo Instituto Todos pela Saúde mostraram que a taxa de positividade para os SARS-CoV-2, o vírus da COVID-19, cresceu 7 pontos percentuais em um mês, alcançando 24%. Nas últimas semanas, o aumento da taxa de positividade coincidiu com a reabertura de escolas em todo o Brasil para o início do ano letivo.
Esses números são corroborados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Segundo seu painel da COVID-19, entre a segunda (9-16) e a terceira (16-22) semanas de fevereiro, o número de casos passou de 13.709 para 22.097. No mesmo período, o número de mortes passou de 82 para 153. O Brasil possui ao todo 39 milhões de casos e 715 mil mortes por COVID-19.
Os dados da COVID-19 no Brasil, no entanto, são enormemente subestimados. Um estudo intitulado “Epicovid 2.0” publicado em dezembro mostrou que 28,4% da população brasileira (cerca de 60 milhões de pessoas) já teve pelo menos uma infecção por COVID-19, um número 1,5 vez maior do que a contagem oficial.
Quando Trindade deu seu discurso no final de fevereiro de 2023, estava clara a intenção do governo Lula de ignorar a necessidade de um monitoramento nacionalmente coordenado da pandemia – exatamente o que tinha marcado a política aberta de “imunidade de rebanho” adotada pelo governo Bolsonaro. Analisado atualmente, o pronunciamento feito há dois anos pela ex-ministra Trindade torna-se ainda mais repulsivo diante do que foi prometido.
Repetindo a alegação da elite dominante mundial de que “nossa grande aliada é a vacinação”, ela continuou: “Quanto mais pessoas com um esquema completo de vacinação, mais estaremos protegidos frente às formas graves da doença”.
Isso foi um reconhecimento explícito de que a transmissão do novo coronavírus estaria livre para se propagar no Brasil, ignorando que mesmo infecções leves podem causar inúmeros efeitos associados à COVID longa que também podem ser minimizados pela vacina. Em maio de 2023, ela saudou a decisão sem base científica da Organização Mundial da Saúde (OMS) de acabar com a Emergência de Saúde Publica de Interesse Internacional pela COVID-19, reforçando que “Ainda vamos conviver com a COVID-19”.
No final de 2023, o governo Lula abandonou a vacinação universal contra a COVID-19 e a limitou a alguns grupos específicos, aprofundando a política de “imunidade de rebanho” iniciada por Bolsonaro. Ao longo de 2024, a falta de vacinas contra a COVID-19 e inúmeras outras doenças foi um assunto amplamente noticiado pela imprensa brasileira.
Hoje, o Brasil está aplicando a vacina contra a COVID-19 para as variantes da Ômicron XBB. Porém, as variantes dominantes desde meados do ano passado no Brasil descendem da JN.1, o que fez com que a OMS recomendasse desde abril passado a aplicação das vacinas atualizadas para essa variante. Segundo reportagem do início de fevereiro de O Globo, o ministério da saúde “poderia ter solicitado à [agência sanitária] Anvisa um pedido de autorização em caráter excepcional para importar ... ou feito uma compra excepcional de doses ... adaptadas para a JN.1”, mas preferiu não o fazer.
Sem qualquer alerta para a população sobre a COVID-19 e seus efeitos associados à COVID longa, a vacinação contra a COVID-19 tem sido um fracasso. Apenas 21,6% da população apta para ser imunizada tomou a dose de reforço recomendada pelo ministério da saúde. Entre a grande maioria da população brasileira que não atualizou as suas doses está a ex-ministra Trindade, que recentemente foi exposta pela imprensa por não ter tomado a dose de reforço no ano passado.
A negligência do governo Lula em resposta à pandemia também se expressa em relação à COVID longa. Segundo o estudo “Epicovid 2.0”, 65,2% das pessoas infectadas pelo novo coronavírus têm ou tiveram COVID longa, o que corresponde a cerca de 40 milhões de pessoas (18,9% da população brasileira).
Como mostrou uma reportagem da Agência Brasil do início de fevereiro sobre um estudo da Fiocruz, a COVID longa “permanece despercebida nos serviços de saúde, indicando que os pacientes não conseguem obter os cuidados necessários e os serviços de saúde não estão preparados para cuidar deles”. Ainda segundo a reportagem, “A pesquisa aponta ainda que, apesar do alto custo da COVID longa para indivíduos, famílias e sociedade, a conscientização e compreensão sobre essa condição são muito baixas”.
Essa ampla negligência do governo Lula em relação à saúde pública no Brasil não deixou de ser noticiada mesmo entre os sindicatos que apoiaram a sua eleição. O Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social no Estado do Rio de Janeiro (SINSPREV/RJ) – filiado à CTB, a central sindical controlada pelo maoísta Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que faz parte da federação partidária do PT – escreveu após a demissão de Trindade que sua gestão foi marcada “por autoritarismo, soberba, desrespeito aos trabalhadores da saúde, ... às instâncias do controle social no SUS ... [e] os problemas na gestão de vacinas”.
Ele denunciou o “fatiamento da rede federal [de hospitais], entregando hospitais ao município do Rio [de Janeiro] e a organizações sociais que na prática são formas disfarçadas de privatização”. O SINSPREV/RJ escreveu ainda que essa “Política ... nem mesmo a extrema direita ousou praticar no Brasil.” Por isso, os trabalhadores dos hospitais federais do Rio de Janeiro estão em greve desde maio de 2024.
O SINSPREV/RJ também criticou a “narrativa de misoginia sobre a demissão de Nísia Trindade”, o “fim do concurso público” da saúde pública federal e o fato de “a gestão Nísia Trindade nunca [ter cumprido] o disposto no acordo de greve de 2023 na saúde federal”.
Esse é só um exemplo das inúmeras categorias do funcionalismo público federal que protagonizaram greves de meses contra o governo Lula, como professores e funcionários da educação federal e servidores ambientais ao longo do ano passado.
Em uma reportagem reveladora, a Folha de S. Paulo noticiou no final de janeiro que “Base de Lula vê falta de mobilização social como risco para governo e eleição em 2026.” Ela mencionou as críticas de movimentos sociais e sindicatos segundo as quais o governo Lula perdeu “conexão com camadas populares”, o que foi expresso particularmente no fiasco do ato de Primeiro de Maio do ano passado organizado pelas centrais sindicais controladas pelo PT e seus satélites.
Desde então, Lula tem se mostrado uma pessoa incapaz de ver a ampla realidade social miserável no Brasil que sem dúvida tem sido impulsionada em parte pela crise da COVID-19. Segundo uma reportagem da Folha de 27 de fevereiro que ouviu aliados de Lula, o atual presidente possui um “excesso de otimismo que, na atual conjuntura, segundo eles, beira a alienação”.
A reportagem ainda escreveu que “Lula ainda não percebeu a verdadeira dimensão dos problemas que seu governo está enfrentando”, particularmente “a queda acentuada de sua aprovação, que ocorre inclusive em estados do Nordeste, onde o PT sempre colheu uma avalanche de votos” na eleição de 2022.
A alegada “alienação” de Lula possui raízes de classe objetivas. Trata-se de um governo que foi eleito para satisfazer uma seção classe dominante brasileira descontente com Bolsonaro e contou com o apoio do governo de Joe Biden nos EUA e das potências imperialistas europeias. Por sua vez, esse processo está acelerando a deserção dos trabalhadores do PT e dos sindicatos controlados por ele, do qual o SINSPREV/RJ é apenas um exemplo.
A tarefa fundamental dos trabalhadores brasileiros é romper com as ilusões promovidas pelo pseudoesquerda e os sindicatos de que o governo Lula pode ser pressionado à esquerda. Num momento em que os trabalhadores dos EUA e de todo o mundo estão entrando em luta contra ataques aos seus direitos fundamentais, um processo que se acelerará à medida que os impactos da guerra comercial de Trump se intensificar, os trabalhadores brasileiros devem encarar sua luta em defesa dos direitos sociais no Brasil como parte de uma luta internacional contra a origem desses ataques, o sistema capitalista.
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