Publicado originalmente em inglês em 28 de fevereiro de 2025
Em 12 de fevereiro, o incêndio em uma fábrica de confecção na zona norte da capital do Rio de Janeiro expôs o verdadeiro estado das relações de trabalho e de infraestrutura no Brasil.
Apesar do incêndio ter começado na madrugada, a fábrica da Maximus Confecções estava lotada de trabalhadores, cumprindo turnos de trabalho estendidos ou dormindo. Uma das trabalhadoras declarou à Agência Brasil que “A gente estava dormindo [na fábrica] porque, como a gente está fazendo fantasia de carnaval, a gente foi dormir tarde”.
Na manhã do mesmo dia, os trabalhadores tentavam fugir pelas janelas da fábrica conforme os bombeiros montavam escadas e procuravam apagar as chamas. Alguns deram entrevista para as redes de televisão logo após fugirem do prédio, e relataram ter escapado das chamas por uma questão de segundos.
Uma trabalhadora relatou à Globo que estava trabalhando na fábrica por pelo menos três dias consecutivos sem retornar para casa. Ela afirmou: “Estávamos todos trabalhando dentro do ateliê quando alguém começou a gritar “fogo, fogo”. Quando abri a porta, o fogo veio. Só tivemos tempo de correr, nos jogarmos nas escadas e fugir”.
O delegado responsável pela perícia apontou um sistema elétrico irregular, com ligações clandestinas, e que pode ter sido sobrecarregado, provocando o incêndio. O subcomandante do Corpo de Bombeiros do estado afirmou: “Era uma edificação que possuía muitos materiais de alta combustão, como plásticos e papéis”.
O prédio também possuía caminhos estreitos e foi impossível se aproximar do prédio com caminhões para combater as chamas ou resgatar os trabalhadores. Isso tornou o resgate mais lento, com os bombeiros levando escadas às pressas para as janelas da fábrica. Entre os 21 trabalhadores resgatados, um morreu por inalação excessiva de fumaça. Outros cinco continuam internados.
A sobrecarga elétrica e a presença de trabalhadores na fábrica do Rio no meio da madrugada estão relacionados aos frenéticos preparativos para o carnaval, que tem recebido crescentes e lucrativas iniciativas de investimento privado nos últimos anos.
Sobre as oportunidades para as companhias durante as festas de carnaval deste ano, a Exame escreveu: “De acordo com estimativa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), os valores devem superar R$ 12 bilhões em receitas”. O Globo apontou no dia 15 que “os investimentos estão até 20% maiores em relação a 2024, dizem as empresas”.
A Agência Brasil entrevistou uma mulher que mora próxima à fábrica e apontou as condições de extrema exploração dos trabalhadores:
“Eu vejo da minha janela, 24 horas por dia, meia-noite, 1h da manhã, 3h da manhã, 5h da manhã, eles estão ali trabalhando”, disse a jornalista Marilúcia Blackman, que teve que sair de casa às pressas.
As fantasias incineradas no incêndio seriam entregues para as escola de samba da divisão de acesso do Carnaval carioca, chamada de Série Ouro, que irão abrir os desfiles de carnaval no sambódromo Marquês de Sapucaí no Rio de Janeiro entre 28 de fevereiro e 1º de março.
Temendo que o desastre na fábrica da capital do Rio prejudicasse a imagem das festas de carnaval e os bilionários investimentos das corporações na cidade, o governador bolsonarista do Rio de Janeiro, Claudio Castro, respondeu ao incêndio anunciando imediatamente adicionais R$16 milhões para a Série Ouro enquanto se manteve em silêncio sobre as causas do incêndio.
Em entrevista ao canal TV Brasil, o carnavalesco veterano Leandro Vieira apontou para as precárias condições existentes nas fábricas de fantasias: “Existe, sobretudo no grupo de acesso [Série Ouro] uma precarização dos ambientes de trabalho. A Maximus ainda deve ser o local mais bem estruturado”.
Na reportagem da Agência Brasil, o designer e comentador de carnaval Milton Cunha afirmou que, em geral, os locais de trabalho das escolas de samba de divisões inferiores são ainda mais perigosos. Citando uma escola que opera em um barracão na Intendente Magalhães, Cunha disse: “Só não pega fogo por milagre. E, de vez em quando, vem chuva e leva tudo. É fogo e água”.
As condições insalubres e a intensa exploração dos trabalhadores não se limita às festas de carnaval.
Segundo o Instituto Sprinkler Brasil (ISB), em 2024, o número de registros de incêndio em instalações não residenciais alcançou novo recorde de 2453 incêndios, representando 10,4% a mais do que em 2023 e quatro vezes mais do que em 2018. Os hospitais registraram 104 incêndios em 2023, seis vezes mais do que os 17 incêndios em 2018.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos a pedido do ISB revelou que o grau de adoção de sprinklers nas empresas é baixo. Apenas 36% das 300 companhias entrevistadas pelo Ipsos disseram contar com esse tipo de sistema em suas instalações. O levantamento mostrou ainda que apenas 14% das empresas entrevistadas disseram contar com sistema deste tipo em todas as suas unidades e 22% declararam contar com o sistema em apenas algumas unidades operacionais.
O aumento do número de incêndios é um reflexo do abandono dos investimentos em prevenção e manutenção da decadente infraestrutura. No dia 8, apenas alguns dias antes do incêndio na fábrica de fantasias, uma planta de fabricação de óleo também na zona norte da capital do Rio registrou um incêndio, e a fumaça podia ser vista a quiômetros de distância. Um desastre foi evitado porque os bombeiros contiveram o fogo antes que se alastrasse para os tanques de combustível da planta. No dia 18, um incêndio atingiu locais de filmagem dos estúdios Globo na zona oeste da capital do Rio.
As condições precárias vistas na fábrica no Rio de Janeiro se repetem por todo o país. Citando apenas os casos mais recentes, em 22 de janeiro, um incêndio de grandes proporções destruiu uma fábrica de chocolates no interior do estado do Rio Grande do Sul. Em 21 de fevereiro, um grande incêndio na Zona Sul da capital de São Paulo em uma fábrica de isolantes térmicos ameaçou se alastrar para casas vizinhas.
A ausência de qualquer comentário de Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) sobre o incêndio é uma denúncia de seu governo, que enfrenta uma crise sem precedente após uma pesquisa de opinião do Datafolha revelar uma queda vertiginosa na sua aprovação de 35% para 24% entre dezembro do ano passado em fevereiro deste ano.
Atualmente, as famílias dos trabalhadores estão vivenciando uma acelerada queda nas suas condições sociais com taxas de inflação persistentes e aumentos de dois dígitos percentuais nos preços dos itens da cesta básica. Após ter sido reeleito em 2022, Lula deu continuidade aos cortes sociais de seu antecessor Jair Bolsonaro, repudiando qualquer promessa de melhoria nos padrões de vida da população e defendendo os interesses fundamentais da classe dominante no Brasil.
Assim como na resposta à COVID-19 e à dengue, o governo Lula permitiu que anos de criminosa negligência com a saúde dos trabalhadores e a segurança ocupacional produzissem a tragédia no Rio. Dados da Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho (Canpat) mostram que o número de acidentes de trabalho totais no país subiu de 612.500 em 2022, no final do governo Bolsonaro, para 665.594 até novembro do ano passado sob Lula.
Segundo um estudo recente do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, em média, um trabalhador morre durante o expediente de trabalho no Brasil a cada três horas. O país possui a quarta maior taxa de acidentes ocupacionais, superado somente por China, Índia e Indonésia.
As estatísticas no Brasil, por mais estarrecedoras que sejam, subestimam significativamente o real número de mortes e ferimentos, particularmente no vasto setor informal, que constitui 37% da força de trabalho. Existem, por exemplo, 12 mil mortes anuais de motociclistas, e acredita-se que a maioria esteja no setor informal de entregas.
A enorme oposição às extenuantes jornadas de trabalho e as condições enfrentadas pelos trabalhadores foram demonstradas na greve dos trabalhadores da PepsiCo no final de novembro, que paralisaram a produção em mais de uma planta em São Paulo e fizeram demandas baseadas em um abaixo-assinado pelo fim da jornada de trabalho de seis dias por um dia de descanso.